Vícios no ato administrativo: uma análise jurídica

Pilar Vidal Palmeira aluna nº66268


Um ato administrativo inválido é aquele que não gera efeitos jurídicos devido à sua não conformidade com as normas jurídicas aplicáveis. Durante muito tempo, a doutrina tradicional enfatizou a ilegalidade como a única causa de invalidade dos atos administrativos. No entanto, sabemos que não é a única, embora seja ainda a mais significativa.

Tanto o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral quanto o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva consideram a legalidade como um conceito abrangente. O Professor Vasco Pereira da Silva chega até a propor o termo "juridicidade" como alternativa à legalidade, por ser mais inclusivo. Sob essa perspectiva, a Administração Pública está sujeita a todas as fontes de direito e princípios jurídicos, incluindo a lei ordinária ou infraconstitucional, a Constituição da República Portuguesa, o Direito Europeu e o Direito Internacional Público. A violação da legalidade desdobra-se em diversos vícios, categorizados pela doutrina, pela legislação e pelo Direito. É importante observar que, conforme o artigo 95º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, estes vícios podem ser cumulativos.

Segundo o Professor Doutor Freitas do Amaral, a "usurpação de poder" ocorre quando um órgão administrativo exerce funções legislativas ou judiciais, ultrapassando as suas competências executivas. Essa usurpação representa uma violação do princípio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2º e 111º da Constituição da República Portuguesa, refletindo o espírito constitucional português. Inicialmente, este vício poderia ser interpretado como uma incompetência, já que está além do âmbito de atuação do órgão. No entanto, devido a razões histórico-políticas e esforços para limitar o poder administrativo, que remontam à Revolução Francesa, esse vício adquiriu autonomia. O Professor Freitas do Amaral identifica três tipos de usurpação de poder: usurpação do poder legislativo, usurpação do poder moderador do Presidente da República e usurpação do poder judicial. Por exemplo, a criação de um imposto por um órgão administrativo seria ilegal, uma vez que, de acordo com o artigo 165º/1/i) da Constituição, apenas o poder legislativo pode instituir impostos. Portanto, os órgãos do Poder Local não podem assumir funções da Assembleia da República ou do Governo, que são órgãos legislativos. Um exemplo de usurpação do poder moderador seria se o Primeiro-Ministro demitisse um funcionário da Presidência da República ou nomeasse alguém para o Conselho de Estado. Já a usurpação do poder judicial ocorreria se uma Câmara Municipal anulasse um contrato civil ou decidisse sobre questões de direito de maneira semelhante a um tribunal. De acordo com o Professor Freitas do Amaral, os atos de usurpação de poder são nulos, conforme a analogia com o artigo 161º/2/b) do Código de Procedimento Administrativo, por serem atos sem competência atribuída.

A incompetência ocorre quando um órgão administrativo pratica um ato que deveria ser realizado por outro órgão administrativo. Ao contrário da usurpação de poder, que envolve invadir competências de outro poder constitucional, a incompetência está restrita ao âmbito do poder administrativo. De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, a incompetência pode ser absoluta, quando um órgão pratica um ato que é de competência exclusiva de outro órgão, e relativa, quando a competência pertence a outro órgão dentro da mesma entidade, sendo essa última situação passível de anulação. A incompetência por motivo de matéria ocorre quando há invasão de competência relacionada à natureza dos assuntos. Também pode ocorrer em função da hierarquia, quando um órgão subordinado invade as atribuições de um órgão superior, ou vice-versa. Em relação ao lugar, a incompetência é mais comum em órgãos com competência territorial, e em relação ao tempo, ocorre quando um ato administrativo é realizado fora dos prazos legais estabelecidos.

O vício de forma ocorre quando um ato não segue a forma legal exigida por lei. Por sua vez, o vício de formalidades, identificado pelo Professor Vasco Pereira da Silva, ocorre quando são ignoradas etapas formais do procedimento, como não ouvir os interessados, ou quando as regras de votação em órgãos colegiados não são seguidas. Segundo o princípio "tempus regit actum", as formalidades desconsideradas posteriormente não têm efeito jurídico, pois apenas refletem a criação do ato.

A violação da lei ocorre quando o conteúdo ou objetivo de um ato não está em conformidade com as normas jurídicas vigentes. Esse é um vício de natureza material, pois relaciona-se com a substância do próprio ato que contraria a lei. Esse vício pode manifestar-se de várias formas, como a falta de base legal, erro evidente de avaliação, incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo ou objetivo do ato, a ausência ou ilegalidade dos requisitos necessários, a ilegalidade de elementos secundários ou qualquer outra violação que possa resultar em outro tipo de vício.

Como mencionado anteriormente, um ato pode ser considerado legal, mas ainda assim ser inválido. A invalidade não se limita à ilegalidade. Um ato pode ser considerado ilícito, mesmo que esteja em conformidade com a lei. Um ato administrativo é considerado ilícito quando, sem infringir a lei, prejudica direitos individuais ou interesses legalmente protegidos, ou viola um contrato estabelecido pela Administração. Além disso, um ato é considerado ilícito quando é considerado contrário à ordem pública e aos bons costumes, conforme o artigo 280º/2 do Código Civil.

Na doutrina, são destacados os vícios da vontade, incluindo o erro, o dolo e a coação. Segundo o Professor Freitas do Amaral, um ato é considerado viciado por dolo quando a Administração age com base em informações falsas ou é enganada por um particular. Por outro lado, mesmo na coação, o ato não é considerado inválido pela lei. O Professor Freitas do Amaral argumenta que um ato afetado por dolo ou coação não implica violação da lei, já que esta requer um comportamento antijurídico por parte da Administração. Na verdade, é o particular quem está a violar a lei. O dolo, conforme a perspectiva do Professor Freitas do Amaral, deve levar à anulabilidade do ato, enquanto a coação resultaria em nulidade.

Concluindo, o ato administrativo pode ser invalidado em respeito à democracia, à legalidade e aos direitos individuais. A invalidade do ato administrativo é uma medida pela qual a lei protege os cidadãos do Estado e obriga a Administração Pública a seguir os princípios do Estado de Direito, especialmente os da legalidade e da segurança jurídica.


Bibliografia: 

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II,  ALMEDINA


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