Simulação Grupo 4 - Defesa da legalidade de venda de imóvel pela empresa municipal “Linha Mais Próxima”

 Enquadramento

Na sequência de múltiplas críticas resultantes da venda da antiga loja, agora Salão de cabeleireiros “Paris em Linha”, pela empresa municipal “Linha Mais Próxima”, será importante, através do presente estudo, averiguar a admissibilidade para a Associação dos Cabeleireiros da Linha se opor à atuação do executivo camarário e da empresa municipal. 

 

Deste modo, a nossa equipa defende a legalidade da venda, da antiga loja, pela Câmara Municipal de Linha, através da empresa municipal, à luz do Direito Administrativo vigente. Gostaríamos, desde já, de referir que o Código dos Contratos Públicos não é aplicável ao contrato de compra e venda do cabeleireiro, de acordo com o disposto no artigo 4.º/ 2. alínea c) do mesmo diploma, por ser um contrato com natureza jurídico-privada.

 

Para tal, iremos começar por introduzir uma breve explicação do funcionamento da Câmara Municipal e quais os seus atributos e competências. 



1. Câmara Municipal de Linha (CML)

 

1.1 Generalidades


A Câmara Municipal de Linha (CML) constitui, em sentido restrito, o órgão executivo colegial do município de Linha. Falamos, por isso, de uma instituição presente em diversos sistemas de governo local, especialmente, em países que adotam o sistema de democracia representativa. 

 

Referimo-nos a um órgão colegial, composto por um presidente, por um vice-presidente e por vereadores. Assume o cargo de presidente da CML a pessoa que encabeça a lista mais votada para a Câmara nas eleições autárquicas. 

 

Desta forma, este órgão deliberativo e legislativo tem por missão definir e executar políticas que promovam o desenvolvimento do município em diversos domínios, como a ação social, ambiente, desporto, defesa do consumidor, habitação, património, cooperação externa, proteção civil, saúde, transportes, entre outros. 

 

A Constituição da República Portuguesa (CRP) reforça o poder das autarquias locais, nomeadamente, através do artigo 235.º do diploma, conferindo aos titulares de órgãos executivos o poder para aprovarem regulamentos e decretos, sem a participação ordinária ou regular do poder legislativo, conforme admitido pelo artigo 241.º. 



     1.2 Competências e atribuições CML

Um município goza de diversas atribuições definidas, neste caso, pela CRP e pela Lei 75/2013, de 12 de Setembro - Regime jurídico das autarquias locais (RJAL). Iremos, assim, elencar as diversas atribuições que se nos afiguram relevantes para a presente defesa. 

 

Inicialmente, será de notar no artigo 3.º do RJAL, as autarquias locais prosseguem as suas atribuições através do exercício de competências de gestão - alínea d) - , ou seja, estes podem arrecadar receitas próprias, elaborar e executar orçamentos municipais, prestar contas e garantir  a transparência na gestão dos recursos. 

 

Neste contexto, analisemos o artigo 4.º do mesmo diploma e o artigo 266.º da CRP. Estes preceitos salientam que o exercício das competências das autarquias locais deve respeitar o princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos. Referimo-nos, portanto, a uma responsabilidade fundamental para a promoção de uma comunidade justa e inclusiva. A administração pública deve, assim, atuar com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé. 

 

Outra atribuição do município refere-se à promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, nomeadamente no domínio da saúde - artigo 23.º RJAL. Estará em causa, portanto, uma gestão de unidades básicas de saúde, garantindo programas de prevenção e promoção da saúde pública. No presente caso, será importante fazer menção ao problema epidemiológico COVID-19, mais à frente mencionado. 

 

Por fim, para efeitos da nossa defesa, poderemos ainda referir-nos às competências materiais. Compete, assim, segundo o artigo 33.º RJAL, à CM adquirir, alienar ou onerar bens imóveis de valor até 1000 vezes a RMMG. Esta competência refere-se à capacidade da CM adquirir, alienar ou onerar bens imóveis até determinado valor, sem a necessidade de autorização específica de outras instâncias. Pretende-se, assim, que as Câmaras Municipais possam lidar com transações imobiliárias que não implicam despesa significativa no contexto da atividade municipal, conforme mencionado mais à frente. 

 

Reparamos, assim, que a CML detém a competência necessária para instalar um salão de cabeleireiro, num espaço utilizado como loja municipal, num contexto de uma crise pandémica. O seu papel de atuação encontra-se, portanto, justificado com as devidas atribuições. 



2.     Empresa municipal - “Linha Mais Próxima”

 

Tendo em conta o artigo 5.º nº1 do Regime jurídico do sector empresarial local, o qual refere que “são empresas públicas as organizações empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, influência dominante, nos termos do presente decreto-lei” as empresas municipais são dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial, de acordo com o disposto no artigo 58.º do RJSEL e criada sob proposta da Câmara Municipal à Assembleia Municipal. A Assembleia tem como atribuições, a promoção e o desenvolvimento de atividades de reconhecido interesse público local. 

 

Podem revestir a natureza de: 

a. empresa pública, se o município detém a totalidade do capital; 

b. empresa de capitais públicos, se o município detém a participação de capital em associação com outras entidades públicas; 

c. empresa de capitais maioritariamente públicos, se o município detém a maioria do capital em associação com outras entidades privadas. 

 

Tendo em conta a relação das empresas com os municípios, podemos aferir que as empresas municipais são detidas integralmente ou maioritariamente pelos municípios. Estes últimos, exercem um controlo estratégico e operacional sobre as empresas, nomeando órgãos de gestão e aprovando planos de atividades e orçamentos. Podem, ainda, receber financiamentos e subsídios do município para execução de projetos específicos ou operações correntes. Além de financiamento municipal, as empresas geram receitas próprias através da prestação de serviços públicos. 

 

Deste modo, as empresas devem publicar relatórios de atividades e demonstrações financeiras, submetendo-se ao escrutínio público e das entidades fiscalizadoras, ou seja, devem seguir o princípio da transparência e, ainda, devem alinhar as suas atividades com as políticas públicas locais, contribuindo para os objetivos estratégicos definidos pelos municípios. E por último, participam no planeamento estratégico e colaboram na execução de programas municipais.

 

Na presente hipótese conseguimos, assim, confirmar a admissibilidade de a Câmara Municipal atribuir à empresa municipal “Linha Mais Próxima” a cedência do edifício e a compra do equipamento Francês, bem como o pagamento dos salários de uma equipa de 30 cabeleireiros, da empresa “Revivre Paris Ailleurs”.



3.     Princípios gerais do Direito Administrativo à luz da venda do Cabeleireiro “Paris em Linha”


a)     Princípio do respeito pelos direitos e interesses protegidos dos particulares

 

Este princípio funciona como um critério adicional da atuação administrativa, consagrado nos artigos 266.º, nº1, da CRP e artigo 4.º CRP, que tem por base a prossecução do interesse público através da administração, mas não diminuindo as posições subjetivas dos particulares. Contudo, existe sempre na atuação administrativa uma compressão aos direitos dos particulares. 

Este princípio limita a atuação legal, mas também a discricionariedade e a margem de livre decisão, em que devem ser aplicados os princípios da proporcionalidade e da imparcialidade.

Um dos seus desdobramentos verifica-se nas decisões administrativas em relação aos atos administrativos que afetam diretamente os direitos ou interesses legalmente protegidos pelos particulares, previsto no artigo 152.º do CPA. 

 

b)    Princípio do Interesse Público 

 

O princípio do interesse público, num sentido amplo, pode ser definido como o interesse geral de uma comunidade, também, denominado de bem comum. Este princípio encontra-se consagrado no artigo 266.º, nº1, e no artigo 4.º do CPA, ambos as fontes normativas denominam o interesse público como um objetivo que a administração visa prosseguir, ficando a sua execução a cargo da administração, não podendo esta, no entanto, defini-los atendendo à sua natureza variável. 

Contudo, o professor João Caupers refere na sua obra que não serão os princípios da legalidade e da boa administração que definem a melhor decisão, com vista ao interesse público, mas que estes apenas garantem que as tomadas de decisão se apresentam de acordo com a lei.

            

c)     Princípio da Boa Administração

 

Este princípio tem por base a prossecução do bem comum, da melhor forma possível. Encontra-se previsto no artigo 81.º, alínea c), da CRP e no artigo 5.º do CPA. 


d)    Princípio da igualdade

 

O princípio da igualdade, que decorre do artigo 13.º e do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, está igualmente consagrado no artigo 6.º do CPA. A jurisprudência tem atribuído a este princípio duas vertentes.

Por um lado, a da proibição da discriminação, que impõe uma atuação administrativa equivalente para as demais situações. 

Por outro lado, a vertente da obrigação de diferenciação defende que o que apresenta caráter desigual deverá ser tratado dessa mesma forma, de forma distinta. Assim, este princípio tentará alcançar uma igualdade substancial, tal como os outros princípios mencionados anteriormente, é uma limitação ao exercício de poderes discricionários por parte da administração.  


e)     Princípio da imparcialidade

 

Importa mencionarmos, ainda, o princípio da imparcialidade, consagrado no artigo 266.º, nº 2, da CRP e no artigo 9.º do CPA, que, segundo a professora Maria Teresa de Melo Ribeiro, vincula não só a administração em sentido objetivo, enquanto atividade administrativa, como também no sentido subjetivo, enquanto estrutura formada pelas autoridades, órgãos e agentes administrativos cuja função é satisfazer necessidades coletivas. 

 

Por seu turno, o professor Freitas do Amaral sustenta que este princípio tem uma vertente negativa e uma positiva, sendo que a primeira proíbe a Administração de ter em consideração interesses que sejam irrelevantes para a decisão, e a segunda impõe que sejam ponderados todos os interesses relevantes para a decisão, conciliando entre si todos os que forem pertinentes, tendo sempre como objetivo a prossecução do interesse público (artigo 4.º CPA). 

 

Constatamos, deste modo, que a atuação do município cumpriu este princípio em ambas as vertentes, visto que foram tidos em conta todos os interesses relevantes, principalmente os interesses relativos à saúde mental dos cidadãos do município, em contexto excecional de crise pandémica. Adicionalmente, numa ótica negativa, não se identifica a ponderação de nenhum interesse irrelevante ou o favorecimento de nenhum agente, órgão, ou interesse alheio à prossecução do interesse público. 



4. Admissibilidade da delegação do fim prosseguido pela Câmara Municipal para a empresa municipal “Linha mais próxima” - Contrato público

 

A distinção entre contratos administrativos e contratos privados tem vindo a ser abolida pela União Europeia, com a uniformização do regime jurídico dos contratos públicos, tendência que iniciou nos anos 90, devido à necessidade de se constituir um mercado público livre. Assim, verificou-se, gradualmente, a consagração de critérios unitários públicos. O professor Vasco Pereira da Silva defende esta linha de pensamento, a que denomina a divisão “esquizofrénica”, definindo contratos públicos, como contratos que correspondem ao exercício da função administrativa a qual abrange tanto contratos privados como contratos administrativos. 

 

Contudo em Portugal, a doutrina continua a preconizar a divisão entre contratos administrativos e contratos privados, no entanto, o nosso professor Regente acredita que mesmo para quem faz a distinção existirá sempre uma diferenciação porque os contratos administrativos deixaram de ser um “género diferente” e passaram a ser uma “espécie de contratos públicos”. 

 

Neste sentido, os contratos administrativos são os que criam, modificam ou extinguem relações jurídico-administrativas, no direito administrativo, ou seja, como a administração atua, independentemente, de ser regulado pelo direito privado ou administrativo. Como a linha de distinção entre estes tipos de contratos é particularmente difícil, alguns autores estabelecem critérios para ajudar na sua distinção. 

 

Inicialmente, o critério da sujeição baseado numa ideia de inferioridade do contraente privado; o critério do objeto, em que será crucial modificar, criar ou extinguir relações jurídicas de Direito Administrativo entre pessoas coletivas públicas da administração, ou entre os privados, artigo 178.º CPA; por fim, o critério estatutário como forma de atuação da Administração Pública, tal como o ato administrativo.

 

O professor Marcelo Rebelo de Sousa, distingue estas duas figuras pela bilateralidade, em que o ato administrativo é unilateral, mas o contrato apenas é criado com a vontade das duas partes. Contudo, apesar da diferença entre ambos também se assemelha na vertente que o contrato implica uma ação da administração que prossegue interesses públicos. 

 

           Como existiu a uniformização pela UE da legislação, aos contratos administrativos aplicam-se os princípios da contratação pública, consagrados no artigo 1.º nº4 do Código dos Contratos Públicos (CCP). 

 

4.1 Procedimento Administrativo

 

Os contratos administrativos, tal como os contratos públicos, os regulamentos e os atos administrativos, estão sujeitos ao processo administrativo. Este procedimento consiste numa sucessão ordenada de atos e formalidades, com o objetivo de criar um determinado resultado jurídico-administrativo.

 

Por seu turno, este processo está dividido em 6 fases: 

Primeiramente, a que dá início a todo o processo administrativo, surgindo por iniciativa pública ou privada é, também, nesta fase que podem existir medidas provisórias, como o estado de necessidade, contudo estas devem ser fundamentadas, segundo o artigo 89.º do CPA. 

De seguida, teremos a fase instrutória, consistindo numa análise dos factos predominantes e de caráter relevante na decisão final, previsto nos artigos 115.º a 120.º do CPA. 

A terceira fase corresponde à audiência dos interessados, previsto nos artigos 121.º a 125.º do CPA, esta será a fase que permite um novo leque de direitos para os cidadãos, nomeadamente, a sua participação em decisões importantes.

De imediato teremos a quarta fase, que se baseia na preparação de decisão por parte do órgão correspondente. 

A penúltima fase consiste na decisão administrativa, em que o procedimento se efetua e concretiza com a celebração do contrato, em causa, ou pela prática de um ato administrativo, à luz do artigo 126.º CPA. 

Finalmente, deparamo-nos com a última fase, defendida pelo professor Freitas Amaral, a fase complementar. Nesta etapa são exercidas todas as formalidades necessárias, após a celebração do contrato ou do ato administrativo, de modo a ser verificada a sua validade.

 

Consequentemente, reparamos em casos de exceção, em que a audiência (terceira fase) poderá ser dispensada, pelo contexto ou pelo caso concreto, previsto nos artigos 124.º e 126.º do CPA. 

 

Apesar da distinção ter sido negada pela União Europeia, a maior parte da doutrina portuguesa continua a estabelecer esta distinção, por isso, qualificamos a venda da loja como um contrato administrativo, ao modificar relações jurídico-administrativas, mas também por preencher os critérios adotados pela doutrina para permitir a referida distinção. 

 

Entre os demais, aplicaremos o critério da sujeição, pois a empresa municipal ao ser criada pelo Município está numa posição inferior à Câmara Municipal, consagrado no artigo 19.º, nº1, do Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e de participações Locais. Por fim, o critério do objeto e o critério estatutário, verificados na hipótese prática. 


4.2 Princípios da contratação pública

 

A contratação pública está efetivamente sujeita a alguns princípios, como o da concorrência, o da igualdade, o da publicidade e o da transparência, artigo 201.º, nº2 CPA).

 

a)     Princípio da concorrência

 

O princípio da concorrência tem como objetivo assegurar, na medida do possível, a otimização dos interesses a prosseguir pela entidade adjudicante, devendo o contrato realizado refletir a solução mais vantajosa em termos de preço e qualidade para as condições em que se pretenda contratar. Este princípio reconhece a liberdade de iniciativa económica privada e a economia de mercado como principais maneiras de satisfação das necessidades económicas, colocando-as ao serviço do interesse público, uma vez que a escolha iria recair sobre a melhor proposta e não em escolhas parciais. No entanto, verificamos que, abrindo o concurso a várias empresas, o processo iria ser extremamente demorado e burocrático, o que iria contra o interesse da população em poder aceder a um estabelecimento que iria ter repercussões positivas na sua saúde mental durante um período de circunstâncias extraordinárias.

 

b)    Princípio da igualdade 

 

Seguidamente, tem de seguir o princípio da igualdade, já mencionado anteriormente enquanto princípio geral da boa administração. Este deve estar sempre presente em toda a atuação da Administração Pública, e que, neste contexto, pauta-se pela obrigatoriedade de os candidatos se manterem, durante todo o processo, numa situação de igualdade, pelo que os critérios e as regras do procedimento devem estar definidas com clareza antecipadamente devendo manter-se iguais e inalteradas após a abertura do procedimento. Este princípio proíbe qualquer tipo de discriminações injustificadas entre os candidatos. 

 

c)     Princípio da publicidade

 

A contratação pública rege-se ainda pelo princípio da publicidade, que determina que no âmbito das candidaturas, as deliberações relevantes da entidade adjudicante têm de ser dadas a conhecer a todos os interessados, manifestando-se no facto de todas as fases principais do procedimento terem de ser publicadas perante os mesmos. 

 

d)    Princípio da transparência

 

Por último, importa salientar o princípio da transparência, que leva a que a Administração Pública tenha de fundamentar os seus atos e garantir a audiência dos particulares interessados. 



 5Argumentação às demais críticas da Associação dos Cabeleireiros da Linha


5.1 Pandemia COVID-19

 

            Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à CRP e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções, com respeito pelos demais princípios, referidos anteriormente. Questiona-se, assim, a admissibilidade dos municípios adquirirem competência no âmbito do combate à COVID-19. 

 

Devido às demais características, atribuições e competências apercebemo-nos que a CML se encontra revestida de um conjunto de atribuições e competências que fazem dela uma importante estrutura de resposta à crise pandémica. Desde cedo, se percebeu que a proximidade dos entes autárquicos seria uma mais-valia na atuação imediata, próxima e eficiente de combate à dita Pandemia. 

 

Falamos, portanto, de um estado de necessidade, ou seja, de uma situação excecional em que se dispensa o processo típico e legal da administração, podendo ser afetados direitos e interesses de particulares, se as circunstâncias o exigirem. 

 

Este direito encontra-se consagrado no artigo 3.º 2 do CPA e no artigo 339.º do Código civil (CC), contudo, várias divergências existem em torno deste preceito. Para o professor Marcelo Rebelo de Sousa e João Caupers, não será por este direito estar previsto no CPA, que poderá existir uma exceção à lei, pelo contrário, apenas fornece legitimidade de atuação para uma determinada atuação concreta, não legitimando todos os atos contra a lei. 

 

Sob outra perspetiva, o professor Diogo Freitas Amaral defende que a positivação deste preceito no CPA, viabiliza uma cobertura legal, que permite não cumprir os preceitos do código, mas também os que estão fora deste, não se tratando, afinal, de uma verdadeira exceção ao princípio da legalidade. Consideramos, assim, que a situação em análise exige uma resposta rápida, devido às circunstâncias imprevistas ou emergenciais resultantes da pandemia. 

 

5.2 Possível favorecimento da empresa municipal “Linha Mais Próxima” face às concorrentes 

 

Poderemos, ainda, pôr em hipótese a questão de saber se a criação de um cabeleireiro totalmente novo e equipado terá sido a melhor solução, devido à possibilidade de se investir nos cabeleireiros já existentes. 

 

Não nos poderemos esquecer, eventualmente, que se vivia uma situação que requeria esforços e uma atuação distinta da habitual, da parte da CML, neste caso, através do recurso ao estado de necessidade. É necessário considerar que num município existem vários cabeleireiros, sendo que para existirem modificações no funcionamento de cada um destes estabelecimentos, seria necessário um investimento de enorme envergadura. Assim, teria de existir, por exemplo, um “concurso” para se averiguar quais os cabeleireiros que iriam beneficiar do respetivo investimento. Não esquecendo, de que sendo de caráter urgente dar resposta às necessidades da população, a criação de um estabelecimento totalmente equipado e pronto para dar solução ao problema da população de Linha seria a melhor opção.

 

5.3  Venda do espaço por valor simbólico


a)    Liberdade e iniciativa económica dos Municípios

 

            Releva fazermos um breve enquadramento jurídico-constitucional sobre a atividade empresarial dos municípios. A CRP consagra, no artigo 6.º nº1, a existência dos municípios e a sua autonomia em relação ao Estado. Contudo, questiona-se se a sua atividade empresarial tem ou não fundamento na liberdade de iniciativa económica prevista no artigo 61.º, do mesmo diploma, sendo que existem duas visões doutrinárias distintas.

 

Por um lado, aqueles que entendem que a Constituição não admite a liberdade de iniciativa económica das entidades públicas, como os professores Paulo Otero e Pedro Gonçalves, consideram que esta seria compressora da liberdade económica privada, que as entidades públicas não podem gozar de liberdades por estarem sujeitas ao princípio da legalidade, e que admitir uma liberdade de iniciativa económica pública consagrada constitucionalmente seria admitir que se isentasse a Administração Pública da prossecução do interesse público seria contra o artigo 266.º, nº1. da CRP.

 

Por outro lado, existem outros professores, como Gomes Canotilho e Vital Moreira, que admitem que a liberdade de iniciativa económica também vale para o setor público, afirmando que os argumentos expostos acima não põem em causa a possibilidade de se falar numa liberdade de iniciativa económica do setor público, opinião da qual nós partilhamos. 

 

Contudo, a liberdade de iniciativa económica pública teria algumas especificidades: só podem dedicar-se a atividades que caibam as suas atribuições, definidas pela CRP e pela lei, toda a sua atividade económica, mesmo quando levada a cabo segundo formas de direito privado, deve ser justificada por um princípio de interesse público; esta atividade encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que a atividade económica das entidades públicas carece de uma “justificação positiva, só podendo exercer-se onde seja expressamente ou implicitamente admitida”. 

 

Para além disso, ainda que os argumentos usados para rejeitar a liberdade de iniciativa económica pública sejam válidos para as empresas estaduais, o mesmo não se poderá aplicar à das autarquias locais, visto que a CRP assegura que cabe a estas prosseguir os interesses próprios das populações respetivas (refere-se a todos os interesses próprios das populações, mas recordando que cabe à lei regular as atribuições, a organização das autarquias e a competência dos seus órgãos) que o devem fazer por sua própria iniciativa e responsabilidade, respeitando os limites da lei (artigos 235.º, nº2, artigo 241.º e 242.º). 

 

Citamos agora a autoridade de Petra Roth, ex-presidente da Câmara de Frankfurt, que defende a possibilidade de se fazer uma escolha entre empresas municipais que fiquem inteiramente submetidas à concorrência, onde os pressupostos do interesse público e da territorialidade deixariam de fazer sentido, e empresas municipais que atuassem fora do mercado, estando essas totalmente submetidas a esses dois requisitos. 


Deste modo, há dois pressupostos da atividade empresarial dos municípios: a exigência de esta ser orientada pela prossecução do interesse público, e deve corresponder a uma atividade económica, suscetível de ser desenvolvida em regime de mercado, não podendo ter natureza exclusivamente administrativa, mas também não podendo ter um intuito predominantemente mercantil.

 

b)    Venda da antiga loja e de todo o seu equipamento pelo preço simbólico de 1000 euros

 

Tal como já foi referido, nas demais competências e atribuições da Câmara Municipal, compete à mesma “adquirir, alienar ou onerar bens imóveis de valor até 1000 vezes a RMMG - Retribuição Mínima Mensal Garantida” - artigo 33.º, nº1, alínea g) RJAL. 

 

A Câmara poderá, assim: 

 

a. Adquirir - Possibilidade de adquirir bens imóveis, desde que o seu valor não ultrapasse 1000 vezes a RMMG.  

b. Alienar - A CML apresenta autoridade para vender, doar ou transferir a propriedade de bens imóveis que estejam sob a sua jurisdição, desde que o seu valor não ultrapasse 1000 vezes a RMMG.  

c. Onerar - A CML poderá impor encargos, mas não poderá exceder valor que ultrapasse 1000 vezes a RMMG.  

 

Confirmamos, assim, que a CML apresenta autoridade para, através da empresa municipal, vender, doar ou transferir a propriedade do imóvel. A sua atuação compreende-se na referida base legal, permitindo que a Câmara Municipal de Linha possa lidar com transações imobiliárias de pequeno porte. 

 

5.4 Possível caso de corrupção

 

A Associação dos cabeleireiros da Linha alega que a criação não é só ilegal como a própria venda do “Paris na Linha” configura a existência de corrupção, resultando no favorecimento de uma específica empresa de cabeleireiro. 

 

Neste sentido, um ato que seja praticado contra o interesse público ou que vá contra a sua prossecução adquire caráter ilegal e inválido. Importa, assim, ponderar se essa alegação de corrupção fará sentido ante o circunstancialismo da situação vertente. Este crime prende-se com a atuação de uma pessoa, que ao atuar a partir de uma posição dominante, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço, fundamento invocado pela Associação dos Cabeleireiros da Linha, na presente hipótese prática.

 

No entanto, não concordamos com essa invocação. Com efeito, o cabeleireiro foi criado com o intuito de promover o bem-estar social, aumentar a autoestima e a “alegria de viver” dos habitantes do Concelho, num momento delicado (COVID-19), não só constrangido num contexto de grave crise de saúde pública, mas também com reflexos na temática da saúde mental individual e da convivência social.

 

Contudo, tal como exposto, o fim de proteger o interesse comum e público da população de Linha foi prosseguido, criou-se um meio para conseguir satisfazer um interesse objetivo da população, permitindo que os diversos habitantes melhorassem o seu estilo e qualidade de vida, durante um determinado período de tempo. Reparamos, assim, na falta de existência da procura da prossecução de fins privados. 

 

O intuito da Câmara Municipal de Linha seria o da criação de uma solução rápida e eficaz, para chegar a um determinado fim, subordinado ao interesse público. Caso contrário, caso pretendesse seguir um fim privado, a CML, e por sua vez, a empresa municipal teriam, aliás, continuado com o cabeleireiro e não teriam procedido à sua venda, na conclusão do período do estado de necessidade.

 

5.5 Favorecimento do bem-estar da população com a criação e prossecução da venda do cabeleireiro

 

Um cabeleireiro poderá ser perspetivado como um equipamento com utilidade solução relevante, especialmente, em contexto extraordinário de crise pandémica muito grave, como um mecanismo fundamental para minimizar os efeitos psicológicos junto da população.

 

A saúde mental é, com efeito, uma componente essencial do bem-estar coletivo, sendo que os serviços que promovem o autocuidado e a auto-estima, como os que os cabeleireiros oferecem à Comunidade, podem ter um impacto positivo significativo. Alguns dos aspetos importantes a considerar serão a melhoria da autoestima e a perceção de normalidade pois a frequência do cabeleireiro poderá aumentar a confiança pessoal, o que é crucial durante períodos de stress e ansiedade e, além disso, as rotinas de autocuidado reforçam a robustez da saúde mental dos indivíduos, para mais em contexto de isolamento compulsivo e de risco de fragmentação social e comunitária.

 

Adicionalmente, com a criação de um cabeleireiro “dotado de um sistema antivírus, assim como fardas especiais imunizadoras para o pessoal e para os utentes”, será possível aliviar sentimentos de isolamento e solidão, por exemplo. 

 

Em suma, incluir cabeleireiros nas medidas extraordinárias para minimizar os efeitos psicológicos da população pode ser uma abordagem eficaz. Estes desempenham um papel importante no bem-estar emocional e social, e apoiar esses profissionais pode contribuir para a saúde mental coletiva.

 


Conclusão

 

Neste sentido, a nossa equipa defende a legalidade da venda da antiga loja pela Câmara Municipal de Linha, através da empresa municipal, à luz do Direito Administrativo vigente.

 

           Tendo em conta a exclusão deste tipo de transação do âmbito de aplicação do Código dos Contratos Públicos, o procedimento de aquisição do estabelecimento e a prossecução do bem comum, à luz dos princípios e normativos de natureza jus-administrativa, constatamos, com efeito, que a referida venda se afigura legal.


 

Bibliografia consultada

 

Fins e funções das empresas municipais, 2010. Disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1123-2449.pdf 

 

CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I. Coimbra Editora: 2007. 


RIBEIRO, Maria Teresa de Melo. O princípio da imparcialidade da Administração Pública. Lisboa: Almedina, 1996.

 

AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo. 4 edição. 2016 

 

AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo. 3 edição. 2006 

 

SOUSA, Marcelo Rebelo. Lições de Direito Administrativo Volume I. Lisboa: Lex, 1999. 

 

GONÇALVES, Pedro Costa. Manual de Direito Administrativo Volume I.  Almedina: Lisboa, 2019

 

CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo, 12 edição, 2016

 

ANDRADE, João Carlos Vieira. Lições de Direito Administrativo, 6 edição, 2020

 

Aulas teóricas do Sr. Professor Vasco Pereira da Silva  

 

 

Alícia Madeira (67924)

Beatriz Pereira (67664)

Catarina Santos (67638)

Francisca Seruya (67838)

Sub-turma 14, Turma B

 

 

 

 

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