Simulação: acórdão sobre a criação da empresa de cabeleireiros ( grupo 9)

SIMULAÇÃO DE DIREITO ADMINISTRATIVO II

(Criação da empresa de cabeleireiros - Juízes)


Turma B, subturma 14

Prof. assistente Pedro Santos Azevedo 


Juízes: 

Inês Afonso, n° 67807

Rita Mesquita, n° 67906

Rodrigo Ferreira da Costa, nº 67852



I. Matéria de Facto:

  1. A situação acontece em “plena época da Covid-19”, em território português. 

  1. O estado de emergência foi declarado dia 18 de março de 2020, tendo transacionado para estado de calamidade a 2 de maio de 2020. 

  1. A Câmara Municipal de Linha decide instalar um cabeleireiro num espaço que fora, antes, uma loja municipal.

  1. A Câmara Municipal de Linha adquire equipamento especial estrangeiro, próprio para prevenir a propagação do vírus.

  1. Através da empresa municipal “Linha Mais Próxima” a Câmara Municipal de Linha assegura a cedência do edifício e a compra do equipamento próprio, assim como o pagamento do salário de 30 cabeleireiros.

  1. A equipa “Reviver Paris Ailleurs” foi constituída para este fim especifico.


II- Delimitação do objeto da intimação - questões a apreciar:


1 - Decisão de instalação do cabeleireiro “Paris em Linha”. 


2 - As acusações das partes. 



III. De Direito


Enquadramento jurídico-constitucional da atividade municipal, no caso concreto


As autarquias locais, assim como empresas criadas para fins de interesse público, encontram-se sujeitas aos princípios constitucionais e administrativos, como estabelecem os artigos 1º - A e 2º/1 c) e 2º/2 ai) do Código de Contratos Públicos. Deste modo, a avaliação da conduta da Câmara Municipal da Linha e da empresa por esta criada para prossecução de um fim específico, através daquilo a que se chama uma superintendência. 

A atividade empresarial dos municípios tem vindo a dividir a doutrina portuguesa, especialmente na interpretação do art.º 61º da CRP, que menciona a liberdade económica. Certos pensadores jurídicos, como Paulo Otero e João Pacheco de Amorim, consideram que esta norma não se aplica a entidades públicas, argumentando que uma admissão da aplicação da norma ao setor público compromete a liberdade económica privada e que, para além disso, as entidades públicas estão vinculadas ao princípio da legalidade, o que cria um obstáculo ao exercício de tal liberdade e desvia a Administração da prossecução do interesse público, consagrado no art.º 266º da CRP. Outros pensadores jurídicos, como Gomes Canotilho, consideram uma extensão do âmbito de aplicação da norma ao setor público, com base no princípio da liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista, nos termos do art.º 80º, alínea c) da CRP, mas limitam a atuação do setor público em três pressupostos chave: cabimento nas suas atribuições, estabelecidas na lei e na Constituição; subordinação ao princípio do interesse público e a subordinação ao princípio da legalidade, ou seja, sujeição a uma justificação positiva, que só pode ser exercida onde for expressa ou implicitamente admitida, o que contraria a típica atividade económica dos privados. 


Com base neste último entendimento, poder-se-ia argumentar que a atividade municipal dos municípios está sob a liberdade económica plasmada no 61º artigo constitucional. No entanto, em análise do art.º 235º/1 da CRP, é possível compreender que as autarquias locais estão altamente dependentes do Estado, pelo que a sua liberdade económica está limitada. Sendo, então, impossível equiparar empresas municipais a empresas privadas, dado que a atividade económica desenvolvida pela administração autárquica apenas tem lugar num quadro que não implique uma restrição desproporcionada da liberdade de iniciativa económica dos privados. 


O art.º 235º/1 da Constituição dita que compete às autarquias locais, por sua iniciativa e responsabilidade, dentro dos limites da lei e na competência que esta lhes assegura, a processão de interesses próprios das respetivas populações. Esta norma nasce do princípio da universalidade, plasmado no nº 2 do mesmo artigo, que fundamenta a atividade económica das autarquias com base nos interesses das populações. Tal pode relacionar-se com o princípio da prossecução do interesse público, salvaguardado pelo art.º 266º da CRP, é uma área algo cinzenta, apesar de se qualificar como o único fim da Administração Pública, o seu princípio motor. Segundo Diogo Freitas do Amaral, o interesse público traduz-se num interesse coletivo, geral e de determinada comunidade. No fundo, um bem comum, representante das necessidades que a iniciativa privada não tem capacidade de responder mas que são vitais para toda a comunidade. Assim, exige-se à Administração Pública uma satisfação das necessidades coletivas. 


O princípio do interesse público não pode, todavia, ser feito de qualquer maneira. A Administração deve fazê-lo dentro de certos limites e com respeito a determinados valores. É desse ponto fulcral que se retira o princípio da legalidade, o princípio que estabelece a obrigação da Administração Pública seguir a lei, nos termos do art.º 266º/2 da CRP. Note-se mesmo que é a lei que define os interesses públicos a cargo da Administração, não se dando à mesma a liberdade de o decidir autonomamente. Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer ato da Administração, pelo que estaremos perante um caso de desvio de poder sempre que um órgão da Administração praticar um ato que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público. 

O princípio da legalidade foi visto também como uma proibição, proibindo a Administração Pública de lesar os direitos ou interesses dos particulares, excepto se com base na lei. Atualmente, dá-se uma definição mais positiva do mesmo, não se traduzindo numa limitação em interesse dos particulares, mas sim numa abertura da Administração agir com fundamento na lei e dentro dos limites por esta impostos. A mais recente interpretação deste princípio acaba por englobar também toda a atividade administrativa, não apenas aqueles que possam consistir na lesão de direitos ou interesses dos particulares e, não se estabelecendo apenas como limite, este princípio vê-se no fundamento da ação administrativa. 


Será de acrescentar a importância do princípio da boa administração neste âmbito específico. O princípio da prossecução do interesse público implica esta exigência de administrar “bem”, ou seja, prosseguindo o bem comum da forma mais eficiente possível. Este dever está consagrado no art.º 81 da CRP para todo o setor público empresarial, expandindo o art.º 10º do CPA, na sua parte final, a toda a atividade da Administração Pública. A questão da eficiência guia-nos ao princípio da proporcionalidade, nos termos do  artº 7º do CPA, ainda com preceito constitucional, pelo art.º 266º/2 da CRP. Segundo o professor Freitas do Amaral, o princípio da proporcionalidade dita que a limitação de bens ou interesses privados por atos de poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos, o pressuposto da necessidade vem de um entendimento jurídico que a medida que a Administração adotar deve ser a menos lesiva possível aos direitos e interesses dos particulares, já quando se fala na proporcionalidade stricto sensu, compreende-se que os fins alcançados devem ser superiores aos custos que alcançar esse fim acarreta. 


Não olvidemos que esta situação sucede quando o país se encontra em declarado estado de emergência. Nos termos do nº 2 do artigo 3º do CPA, o ato administrativo praticado em estado de necessidade administrativa poderá atuar à margem do princípio da legalidade, caso considere urgente agir naquele momento exato, pois a retardação da atuação poderia ferir o fim do interesse público. Tal não significa, todavia, que a atuação administrativa possa fugir a este princípio, dado que, mesmo em estado de emergência, existe um bloco legislativo vigente que deve ser respeitado, e direitos absolutos e fundamentais que são intocáveis mesmo nesta situação anómala. 


Para comparação, veremos um exemplo: o Acórdão nº 350/2022, do Tribunal Constitucional. Resumidamente, um proprietário de um estabelecimento de restauração fora processado por violar a obrigação de encerramento, decretada no DL 14-A/2020, mas penalizada pela Resolução nº 45-B/2020, pelo que se chamou o Tribunal Constitucional a apreciar a competência do Governo para legislar sobre a definição de crimes. O Tribunal Constitucional manifestou-se pelo princípio da separação de poderes, declarando que o Governo não tinha esta competência, pois não estava à margem do princípio da legalidade, não podendo ser ultrapassada nem em casos excepcionais. 



Ato Administrativo, conceito e procedimento


No que toca ao conceito de  Ato administrativo, existe uma profunda divergência entra a Escola de Lisboa e a Escola de Coimbra. Para o presente caso adotaremos a definição da Escola de Lisboa, que acolhe um conceito mais amplo, admitindo assim que o ato administrativo é um ato jurídico unilateral praticado pela Administração - estruturas que exercem poderes administrativos - e que traduz a decisão de um caso, visando efeitos jurídicos sobre situações específicas, procurando definir direta ou instrumentalmente o direito aplicável a uma situação individual e concreta.


No que toca ao procedimento administrativo e, seguindo a definição do professor Freitas do Amaral, este é a sequência juridicamente ordenada de atos e formalidades, tendo que respeitar prazos atendentes à preparação e exteriorização de prática de um ato da Administração e a sua execução.  A noção legal de procedimento jurídico encontra-se plasmada no artigo 1º, nº1 do Código de Procedimento Administrativo. 


Os princípios fundamentais do procedimento administrativo são os seguintes: 

  • Carácter documental;

  • Simplificação do formalismo;

  • Natureza inquisitória;

  • Princípio da desburocratização e eficiência;

  • Princípio da colaboração da administração com os particulares, plasmada no art.º 11º do CPA;

  • Direito de informação dos particulares;

  • Participação dos particulares na formação de decisões que lhes respeitem, nos termos do art.º  267º/5 do CPA;

  • Princípio da decisão, pelo art.º 13º do CPA;

  • Princípio da proteção dos dados pessoais, pelo artº 18º do CPA;

  • Princípio da cooperação leal com a União Europeia, nos termos do 19º do CPA.


Estes princípios fundamentais fazem parte das fases do procedimento, que podem ser individualizadas em seis: 

 

a) a fase inicial, dando início ao procedimento administrativo, podendo surgir de iniciativa privada ou pública, incorporando a obrigação do interessado na criação do ato de informar os possíveis afetados; 


b) a fase de instrução, destinada a averiguar os factos que interessem à decisão final e, principalmente, à recolha de provas que se mostrarem necessárias, sendo a direção de instrução, pelo artigo 55º do CPA, entregue ao órgão competente para a decisão final, havendo 3 hipóteses distintas: 

  • o diretor do procedimento é delegado do órgão decisório, 

  • o órgão decisório é diretor do procedimento dirigindo pessoalmente a instrução quando houver disposição legal, regulamentar ou estatuária que o imponha

  • a direção de certas diligências instrutoras podem competir a um subdelegado. 

Atende ao princípio da imparcialidade e pelo princípio do inquisitório, artigo 58º, ou seja, sem  necessidade da vontade dos interessados a administração requer esclarecimentos que levem, mais facilmente, a tomada de decisão.


c) a fase de audiência dos interessados, fase caracterizada por concretização do princípio da colaboração da administração com os particulares e com o princípio da participação dos particulares, elencados nos artigos 267º nº 3 da CRP e 11º e 12º do CP , é obrigatória em todos os tipos de procedimento, sendo que  administração goza de poder discricionário quanto à modalidade. Neste caso averigua-se a possibilidade de não se ter realizado esta fase, caso se verifique que esta fase não foi realizada então estará em causa um vício de forma por preterição de uma formalidade essencial, o que leva a uma ilegalidade,  o desvalor por este vício é a nulidade da atuação administrativa em causa;


d) a fase de preparação de decisão, momento em que a administração pondera adequadamente o que foi tido em consideração na fase inicial, artigo 125º e 126º do CPA, à luz de tudo o que foi referido, e, tendo em conta os elementos falados nas primeiras três fases, realiza-se a preparação para a decisão. Se se considerar insuficiente a instrução deve ordenar-se de novas diligências e o diretor do procedimento formula proposta de decisão. 


e) a fase de decisão, término do procedimento administrativo, podendo ser através da prática de um ato administrativo ou pela celebração de um contrato, aplicam-se as regras dos artigos 135º e seguintes do CPA, os prazos do artigos 128º e 129º e, para outras causas de extinção do procedimento, os artigos 130º a 133º. 


 f) a fase complementar, traduzida na prática de atos e formalidades posteriores à decisão final do procedimento. 


A empresarialização e os municípios 


Comecemos por qualificar as autarquias locais como pessoas coletivas públicas, de uma base territorial assente numa fração do território nacional, estas asseguram a prossecução interesses próprios dos respetivos agregados populacionais, recorrendo para tal a órgãos próprios eleitos, resultando do artigo 255.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.

As autarquias locais podem ser divididas em freguesias e municípios, no caso concreto deparamo-nos com um município. Para estes casos, e como já mencionado, existem órgãos próprios que no caso dos municípios são a Câmara Municipal,  Assembleia Municipal e o Presidente da Câmara Municipal.

Sendo a Câmara Municipal uma pessoa coletiva de fins múltiplos, pode criar entes públicos indiretos de caráter institucional, empresas e fundações públicas, bem como criar ou ter uma participação dominante em sociedades, associações e fundações de direito privado.

Interessa também conhecer os limites à liberdade desta possibilidade municipal e de que forma e que esta pode ser exercida, assim, as atividades económicas desenvolvidas pelos municípios devem resultar do previsto na lei, que irá determinar os seus pressupostos, sendo de grande a importância no exercício da atividade económica em questão, o respeito pelos princípios da persecução do interesses público, o princípio da subsidiariedade e o princípio da territorialidade.

Existe uma escolha de forma que admite a liberdade de conformação da atividade empresarial no modo da sua  estruturação, sendo a sua firma seguindo o direito privado balizado pela lei comercial ou sob uma forma moldada pelo direito público, tal como nos é possível perceber através do artigo 19º, nº 1 da Lei n.º 50/2012, esta mesma lei dizendo respeito ao Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais (RJAEL).

É importante estabelecer os pressupostos da atividade empresarial, de início pela necessidade desta atividade ser orientada pelo princípio da persecução do interesse público, tal como disposto no artigo 6º do RJAEL, também presente nos artigos 266º da CRP e 4º do CPA, a verificação de que este princípio está a ser cumprido no exercício da atividade empresarial

 

Com base no artigo 20º, nº5 do RJAEL é que a atividade para qual a empresa for criada se encontre nas atribuições do município, e esta mesma atividade deve ser explorada de encontro ao interesse geral e promoção do desenvolvimento territorial tal como disposto nos artigo 20º, nº 1 e 2 do RJAEL.

A atividade exercida deve ser uma atividade de cariz económico, sem que seja exclusivamente administrativa ou mercantil, ou seja a atividade económica municipal tem de se basear no interesse público e na obtenção de lucro sem comprometer se comprometerem um ao outro, assim a empresa municipal irá visar o lucro desde que não lese a persecução do interesse público, contudo também existe presente no artigo 31 do RJAEL a obrigatoriedade deste tipo de empresas irem de encontro a uma viabilidade económica e um equilíbrio financeiro, pois se tal não for cumprido estaria assim a empresa a ir contra a prossecução do interesse público pois o investimento feito na criação da empresa não traria quaisquer benefícios, e estaria também a violar o enquadramento da sua atividade e não se iria configurar como uma empresa municipal mas antes um instituto publico, que visa a presunção de atividades administrativas.

É possível encontrar vários princípios orientadores da atividade seguida pelas empresas municipais tais como, o princípio da subsidiariedade no que toca ao respeito ao setor privado, onde a iniciativa económica municipal só é justificável se não puder ser melhor ou de forma mais eficiente realizada pelo setor privado, levando de encontro ao facto de que o Estado e as autarquias devem intervir economicamente apenas quando necessário. O segundo princípio orientador é o princípio da territorialidade, que nos diz que a atividade económica dos municípios deve ser circunscrita ao ser território tal como presente no artigo 235º, nº2 da CRP.

 

Assim percebemos que a criação de empresas por via municipal, deve ser fundamentada na prossecução do interesse público, não visando somente a vertente administrativa ou somente a busca pelo lucro, devem operar dentro dos limites legais e territoriais garantindo a sua sustentabilidade económica.  


IV - Alegações das partes

Associação dos Cabeleireiros da Linha alega que a criação do cabeleireiro é ilegal, “pois não se enquadra nas atribuições e competências do município nem nas da empresa municipal”. 


O Presidente da Câmara e o vereador responsável pela gestão da empresa “Linha mais Próxima” alegam que a respetiva atuação "respeitou sempre as atribuições e competências dos municípios, para além de ser plenamente justificada pela situação de pandemia, que obrigou à tomada de medidas extraordinárias para minimizar os respetivos efeitos psicológicos nefastos na população da Linha.”



V- Decisão:

Para a nossa decisão, comecemos por considerar o estado de necessidade administrativo vigente. Em circunstâncias como esta, previstas no art.º, a atuação administrativa não pode excepcionar o princípio da legalidade, apenas podendo atuar “à sua margem” caso seja necessário uma intervenção imediata que, caso tomasse mais tempo, poderia ferir o fim do interesse público. Assim, cabe às entidades públicas que agem pela Administração e à própria Administração Pública seguir o bloco de legalidade aplicável no estado de necessidade, como é, neste caso, o próprio decreto-lei que declara o estado de emergência, o Decreto nº 2-A/2020, a 20 de Março. Este estabelece, no seu art.º 8º, a suspensão de todas as atividades comerciais com exceção daquelas que disponibilizam bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais, estes estão expressos no seu art.º 16º, remetente ao nº1 do art.º 10º do DL 10-A/2020, no qual se estabelecem como serviços essenciais forças e serviços de segurança e socorro, serviços de gestão e manutenção de infra-estruturas essenciais, serviços de saúde ou outros serviços que obriguem assistência aos já referidos. 


No que toca ao princípio da prossecução do interesse público, uma invocação do carácter mutável do conceito de interesse público serve um ponto essencial no caso concreto, demonstrando a obrigatoriedade de proteger a saúde mental da população com grandes esforços. Tal, todavia, não justifica a criação de um cabeleireiro para tal fim. A prossecução do interesse público encontra-se ligada a vários outros pontos essenciais e que lhe dão corpo, um deles sendo a necessidade de tomar medidas próprias a cada caso, interligando-se com o dever de boa administração, e, exaltamos, que a medida seja o mais proporcional possível. É necessário que a medida adotada seja aquela que se viu mais eficiente na situação específica, o que não consideramos ter sido seguido. 


Também a questão do ato desconforme com a proporcionalidade stricto sensu nos parece viável, dado que a obtenção do fim - uma melhor saúde mental e “alegria de viver” - foi feita através de custos muito superiores aos que seriam necessários, como é exemplo a equipa de 30 cabeleireiros e todos os uniformes especializados importados de França. Mesmo no que toca à questão da necessidade, não cremos que a decisão escolhida pela Câmara tenha sido aquela que menos lesaria os interesses legítimos dos particulares, especialmente dos cabeleireiros concorrentes. 


Tal desrespeito para com os princípios administrativos levaria a uma anulação do ato administrativo. No entanto, este encontra-se sob um desvalor jurídico ainda mais restrito: a nulidade. Este ato será considerado nulo por ilegalidade formal, devido à violação da formalidade que exige audiência prévia, um direito constitucionalmente consagrado e considerado, pela maioria do pensamento jurídico português, um direito fundamental dos particulares. Consideramos que a exceção do art.º 163º/5 do CPA não é aqui aplicável pois é impossível depreender que o fim alcançado seria igual caso se tivesse seguido o procedimento exigido, especialmente considerando que se ignorou a formalidade mais protegida de todas, que plasma o direito à participação democrática dos cidadãos. Para além do mais, defendemos que o procedimento administrativo tem autonomia jurídica, não se resumindo a um conjunto de formalidades cujo único objetivo é o ato em si, pelo que deve ser respeitado e seguido na totalidade. 


Acrescentamos, também, a evidente violação da formalidade de fundamentação, um dos requisitos de validade do ato administrativo, plasmado no art.º 152º/1 do CPA e 268º/3 da CRP. O desrespeito a esta formalidade implica a ignorância do Princípio do respeito pelos interesses dos particulares, constitucionalmente consagrado no art.º 266º/1, que visa conciliar a exigência do interesse público com as garantias dos particulares. Apesar deste fim também ser visado pelo princípio da legalidade, o legislador procurou ir mais fundo e estabeleceu pontos essenciais, como a atribuição aos particulares do direito de participação e informação no procedimento do ato administrativo, e antes da decisão final. Através da fundamentação, a Administração Pública explica o porquê das suas decisões e garante a proteção dos particulares, assim como aumenta uma fundamentação na sua confiança.


Terminamos a nossa decisão pela declaração deste ato administrativo como nulo, nos termos do art. 161º do CPA, pelo que não produzirá efeitos desde o momento da sua criação. Justificamos que esta decisão foi tomada com base na ilegalidade formal, nascida do desrespeito pela fase inicial do procedimento administrativo e pela fase de audiência dos interessados, e não pela alegada “incompetência” por parte da Associação de Cabeleireiros, pois esta sua competência para desenvolver atividades económicas de interesse municipal e adquirir bens e serviços está plasmada na Lei nº 75/2013, art.º 33º/1, dd) e ff).


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