Responsabilidade Civil Administrativa de acordo com arquétipo da boa administração (Luana Gama, Turma B, subturma 14, nº66609)

 Responsabilidade Civil Administrativa de acordo com arquétipo da boa administração (Luana Gama, Turma B, subturma 14, nº66609)

Neste trabalho, irei relacionar o principio da boa administração com a responsabilidade civil da administração pública, abordando diferentes pontos de vista sobre a sua relação. Para tanto, explicarei cada um dos conceitos, interligando-os no final.


Princípio da boa administração


O princípio da boa administração é um principio que, após a entrada em vigor do CPA de 2015, ganhou especial relevo e atenção no campo do direito administrativo; principalmente no âmbito de se clarificar se estamos ou não diante de um princípio jurídico (sindicável pelos tribunais) - tema que tem vindo a separar a doutrina, causando posições antagónicas. O problema agravou-se quando a Comissão de Revisão do CPA entendeu que não deveria elevar o principio a direito fundamental, ficando ao critério do trabalho jurisprudencial administrativo a tarefa de estabelecer o seu valor jurídico. 


Este principio, positivado no artigo 5.º do código de procedimento administrativo, bem como no artigo 41.º da CDFUE (sendo um direito fundamental dos cidadãos), é exigente na medida em que acompanha a tomada de boas decisões por parte da Administração Pública. O artigo 5.º CPA dispõe que “A Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade”. Por seu lado, o n.º2 do mesmo preceito indica-nos a direção que a Administração deve seguir para satisfazer essa exigência: organizar-se “de modo a aproximar os serviços das populações e por forma não burocratizada”. 


Podemos, como mencionei, desdobrá-lo em três conceitos diferentes, segundo os quais se deve pautar a atuação administrativa: 


  1. Em primeiro lugar, boa administração significa eficiência da Administração Pública, no sentido que se exige que a atividade administrativa deve ser apta a atingir os objetivos que lhe cabe prosseguir,
  1. Em segundo lugar, boa administração significa economicidade, em termos tais que a atividade administrativa deve pautar-se por uma gestão a mais equilibrada possível dos recursos públicos, 
  1. Em terceiro lugar, boa administração significa celeridade da atividade administrativa, no sentido que o tempo de decisão e atuação da Administração Pública deve durar apenas o estritamente necessário para que esta possa atingir os fins que lhe competem. 


Este princípio, dado a sua natureza indefinida, pode ser entendido de diferentes maneiras. Há quem o considere um desiderato constitucional implícito, tendo em conta o n.º1 do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa ou quem o relacione diretamente, e por vezes de forma confusa, com o principio da eficiência, que tem previsão expressa na alínea c) do artigo 81.º da CRP para o setor público empresarial, servindo de “instrumento determinativo da diligência ou acerto do mérito da conduta administrativa, em termos de eficiência  e economicidade das soluções”. 


O professor MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA considera-o um dever a que estão vinculados os órgãos e agentes administrativos, que desempenha um papel central na efetivação e concretização de outros direitos fundamentais e, ainda, um dever ligado ao problema da tutela do mérito. 


Na visão do professor PAULO OTERO, constituí-se um principio pluridimensional, porquanto a sua área de influência não se restringe ao domínio substantivo ou material das decisões administrativas, como semelhantemente se faz refletir da dimensão do procedimento administrativo. Para tanto, e devido à dupla dimensão de “boa” administração, o professor designa-o de “superconceito”.

Discute-se se a observância deste princípio pode ser controlada pelos tribunais, uma vez que se tem considerado que consagra apenas um dever jurídico imperfeito (conforme o professor DIOGO FREITAS DO AMARAL), não sendo permitida a anulação de um ato administrativo apenas com fundamento na sua violação, podendo, porém, a Administração incorrer em responsabilidade civil pelos danos causados aos particulares sempre que infrinja este princípio, já que existem várias garantias administrativas decorrentes de uma boa administração, nomeadamente os direitos a um tratamento imparcial, razoável duração do processo administrativo (relacionado com a exigência de celeridade, fundamentalmente), direito de ser ouvido, de acesso e de fundamentação das decisões, entre outros.


O princípio da boa administração como norma constitucional 


A constitucionalidade deste artigo pode ser inferida analisando, isoladamente, determinados artigos ou analisando o complexo integral das normas constitucionais. 


> Relativamente a preceitos isolados, podemos atentar no artigo 9º, alínea b) da constituição da república portuguesa, que deixa expresso o sentido de que o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático é uma tarefa fundamental do Estado. 


> O princípio da boa administração e o da eficácia são, ainda, indiretamente protegidos em um caso específico, quando o artigo 199, alínea c) da Constituição prevê que se incluem entre as funções administrativas a elaboração de regulamentos que garantam uma boa execução das leis. 


> Externamente à constituição da republica portuguesa, podemos olhar para a jurisprudência do TJUE, em que o artigo é estabilizado como o princípio geral de Direito há décadas, ainda que com sentidos polissêmicos e com significados que ultrapassam os limites dos conceitos adotados pela lei nacional.


Análise da Administração Pública

Torna-se importante, para o trabalho em causa, perceber em que medida a administração pública tem sido analisada. Verdadeiramente, a administração pública é constantemente avaliada conforme novos paradigmas ao longo do tempo; atualmente, a responsabilização da Administração tem se concentrado num controlo atento das suas condutas, no seguimento de uma nova cultura denominada de corporate governance. Daqui, surge a necessidade ou exigência de existir uma prestação de contas e, consequentemente, uma responsabilização da Administração pelas suas condutas que não estabeleçam padrões aceitáveis. Isto dito, não será difícil entender a sua ligação com um principio como o da boa administração, cujo principal objetivo é o bom andamento e funcionamento dos serviços. 

Farei, agora, alusão a algumas particularidades e ideias implícitas ao principio em estudo e a sua relação com a atividade da administração pública:

Relativamente ao mais óbvio, o conceito de eficiência, tem sido exigido, ao longos dos anos, à Administração, uma atuação cada vez mais eficiente. Esta eficiência pressupõe que os interesses legalmente protegidos sejam ponderados entre si, preconizando a satisfação do objetivo a alcançar com o menor envolvimento de lesões para os bens jurídicos em causa, minimizando o uso de recursos no máximo possível. Sendo a principal tarefa da administração pública a regulação da prestação dos serviços públicos, a organização e fiscalização desses serviços e a satisfação dos interesses públicos, é evidente que a eficiência e a eficácia são conceitos fundamentais na sua atividade e legitimação. A eficiência remete para o facto de se fazer “bem” as coisas. Por outro lado, a eficácia remete para o facto de as coisas terem de ser feitas. Contudo, a relevância como têm sido levados estes princípios não agradam a todos e existem opiniões que convergem no sentido de considerar a atividade da administração demasiado mecanizada e focada no alcance de resultados devido à importância que se tem dado aos fins e obrigações. Neste ponto de vista, a obsessão pela eficácia acaba por ser demasiadamente valorizada, abstraindo o Direito Administrativo da sua real função, tornando-o puramente objetivo, formal e com altos níveis de impessoalidade, quando a  atividade administrativa deve ter um caráter mais humano, no sentido em que o seu percurso é garantir os direitos subjetivos dos seus administrados.

Uma outra ideia central de uma boa administração será a transparência, que embora não tenha consagração expressa no ordenamento administrativo português, é retirado de vários preceitos jurídicos. O conceito de transparência configura um dos princípios básicos da democracia, e coaduna-se com a exigência de uma Administração acessível aos cidadãos, sem incógnitas que ponham em causa a sua liberdade, segurança e dignidade. Uma administração com a sua organização clara e com uma distribuição de funções equilibrada e estável, permite aos administrados entenderem o poder administrativo a que estão sujeitos - o que se constitui importante, na medida em que o oposto causa a deteorização dos serviços.

Por fim, a Administração Pública pauta a sua atuação por critérios orientadores de uma atuação correta moralmente: a isto chamamos de princípio da moralidade administrativa. Este principio, para além de se basear principalmente com a atuação individual dos funcionários e agentes da administração pública (na medida em que o devem respeitar na tomada de decisões e prática de atos administrativos), pressupõe que esses atos se conformem com a moralidade e finalidades administrativas. Para tanto, devem respeitar-se preceitos de ordem pública, bem como as exigências da lei. Este tipo de administração está ligada à atuação discricionária da administração, cujo objetivo é limitar essa mesma discricionariedade. Esta moralidade é considerada um pressuposto de validade de todo o ato de administração; contudo, é do entendimento da maior parte da doutrina, que este conceito de moralidade administrativa não deve limitar a atuação administrativa no pleno uso do seu poder discricionário. No nosso sistema jurídico, o controlo jurisidicional dos atos praticados dos agentes administrativos, dos seus funcionários e gestores, no âmbito dos princípios gerais da atividade administrativa, encontra-se no artigo 3.º do CPTA.

“Boa Administração”

Explicitadas algumas ideias base sobre o principio, resta-nos fazer uma pergunta: o que é, afinal, a “boa administração”? Para melhor enquadramento, talvez seja necessária a análise do conceito de má administração que, segundo o provedor de justiça europeu, se caracteriza do seguinte modo: “há má administração, sempre que um organismo público comunitário não atue em conformidade com as regras ou princípios vinculativos”. Em contraposição, o conceito de boa administração baseia-se em conceitos de moralidade, eficiência, transparência, moral e participação, que foram desenvolvidos anteriormente. Quer isto dizer que mesmo a omissão de comportamentos/ações do sujeito administrativo deve ser encarada como um mau exemplo de como deve ser efetuada toda a tramitação administrativa. O que está principalmente em causa é o próprio poder que os titulares dos orgãos detêm face aos particulares, que deve ser exercido respeitando o cumprimento do dever da administração na relação interpares, sem abusar da sua força. 

É evidente, no entanto, que o conceito de “boa administração”, como tal e associada a um conjunto de práticas determinadas, não é consensual. Ao longo do tempo, contudo, vamos ultrapassando a natureza vaga e imprecisa deste conceito com a ajuda de jurisprudência, entre outros meios. 

Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado 


Antes de nos focarmos na responsabilidade civil da administração e em como ela é hoje, devemos concentrar a nossa atenção no seu trilho ao longo dos tempos, que se caracteriza por ser cheio de obstáculos e inconvenientes. 


Já no direito romano, os jurisconsultos, como Aristóteles, diziam que a justiça cumulativa implicava o dever de reparar os danos provocados por uma pessoa a outra. Mas, olhando com atenção para o passado da responsabilidade administrativa, vemos que não é bem assim. Como sabemos, existia um dogma de uma certa irresponsabilidade do estado que se baseava na sua própria soberania para excluir a responsabilidade. Esta ideia, de que quem detém a soberania não está sujeito às leis, vem de séculos antigos e podemos relacioná-la com a célebre frase: “The King can do no wrong” - ou seja, o fundamento da irresponsabilidade funda-se no poder supremo. Posteriormente, estas ideias foram sendo ultrapassadas e chegou-se, pela primeira vez, a uma ideia de responsabilidade parcial do Estado que, pelos motivos a seguir referidos, também não é a ideal. Esta tese assentava num princípio muito simples: o Estado é responsável por atos de gestão, mas não por atos de autoridade - o que acabava por conceder, ainda, um poder injustificado à administração. Por fim, a evolução do conceito de responsabilidade do Estado convergiu numa responsabilidade direta do Estado. Esta mudança da atividade da administração deve-se à intervenção da administração pública, cada vez maior, na vida económica e social, muito em virtude do conceito e desenvolvimento de Estado de Direito. Com isto, foi-se desenvolvendo também uma ideia de responsabilidade civil da Administração. 


> No caso português


No ordenamento jurídico administrativo português, a responsabilidade civil dos poderes públicos começou por ser pensada no contexto do direito privado, mas rapidamente se entendeu a falta de sentido e praticidade na ideia de “irresponsabilidade pública, responsabilidade privada”.


É com a primeira constituição portuguesa, em 1822, que se rompe com o principio da não responsabilização, ao prever a responsabilização dos funcionários públicos pelos “erros de ofícios e abusos de poder” no exercício das suas funções. Na constituição de Seabra (1867), volta-se a prever a responsabilidade dos funcionários públicos por danos e perdas provocadas ao abrigo de atos que excedessem as suas atribuições, atos pelos quais respondiam como qualquer cidadão. Embora a constituição de 1911, bem como a de 1913, venham comprometer de certo modo o novo principio que ameaçava despontar (o da responsabilização), ao não consagrarem um principio direto de responsabilização dos agentes públicos (no primeiro caso) ou ao não consagrarem de modo nenhum a responsabilização dos empregados públicos (no segundo caso), o processo não foi travado, e é com a constituição de 1976 que se consagra, pela primeira vez, o principio de responsabilidade do Estado e demais entes públicos pelos atos praticados no exercício da função administrativa que violem direitos, liberdades e garantias ou causem prejuízo a quem não tem o ónus de o suportar. 


Na nossa constituição atual, no artigo 271º CRP, prevê-se, em acrescento, a responsabilização por “ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício”, bem como a proibição da garantia administrativa, que seria um tradicional mecanismo da AP que assegurava a proteção dos funcionários perante ações criminais ou civis propostas contra eles, ao fazer depender a possibilidade de responsabilização de uma autorização do Estado. 


A atualidade da Responsabilidade Civil da Administração 


Hoje, o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas encontra-se regulado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, que veio substituir o anterior DL n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967.

Numa simples e primeira abordagem, a responsabilidade civil consiste na obrigação de responder pelos danos causados a outrem, isto é, na obrigação de indemnizar. Esta ideia, no seguimento do desenvolvimento do estado intervencionista, com as sociedades cada vez mais complexas, competitivas e abertas ao exterior, torna-se altamente imperativa e carece de elaboração.  

Existem dois tipos fundamentais de responsabilidade importantes para o âmbito do presente trabalho: a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual. 

  1. A responsabilidade contratual consiste, em termos gerais, numa derivação do incumprimento de uma obrigação pré-existente, fruto da vontade das partes. Assim, resulta de um dever de conduta imposto por um acordo mútuo, 
  2. Quanto à responsabilidade extracontratual, conduz à ideia de obrigação de ressarcir, derivada das infrações de dever geral de não causar dano a outrem.

A responsabilidade administrativa tanto pode ter a sua fonte em relações jurídicas de natureza obrigacional ou no decorrer do incumprimento de relações jurídicas preexistentes, como foi mencionado, mas, pode ainda, ao abrigo de normas de direito privado, fora do âmbito próprio da função administrativa (fins instrumentais relacionados com a atividade especifica de prossecução do interesse público), ficar constituída no dever de indemnizar os danos causados a terceiros, conforme resulta do artigo 501º CC.

A responsabilidade civil da administração não é altamente distinta daquela aplicada nas relações privadas. A sua função principal acaba por ser, em qualquer caso e em ambos os ramos de direito, ressarcir os prejuízos que, segundo o curso normal dos acontecimentos, não deviam ter acontecido, colocando-se o lesado na situação em que estaria se não tivesse ocorrido o evento lesivo. 

Como sabemos, a atividade da administração é uma atividade que implica frequentemente o uso de poderes de autoridade, podendo, por isso, causar prejuízos aos particulares, quer seja por regulamento, ato ou contrato administrativo (responsabilidade civil). Contudo, não é imperativo que a administração tenha praticado algum ato ilegal ou ilícito; isto porque pode ter que indemnizar danos emergentes que possam surgir de uma atuação de risco inerente ao exercício de certas atividades especialmente perigosas, associadas à sua função - o que está, aqui, em causa é a responsabilidade pelo risco. Por fim, temos ainda a responsabilização pelo sacrifico, que se pauta pelo sacrifico que é imposto aos particulares no âmbito dos seus direitos, como aos que assistimos no contexto de pandemia, em 2019 (estados de necessidade, por exemplo). 

Expostas as responsabilidades existentes, interessa distingui-las com maior precisão:


> No que se refere à imputação do prejuízo, a responsabilidade civil pode ser delitual, pelo risco ou por facto lícito. A primeira vertente (delitual) pressupõe uma valoração de condutas, que são reprovadas pelo ordenamento jurídico. - tanto que é denominada, também, por responsabilidade por facto ilícito e culposo. Quanto às restantes (pelo risco e por facto lícito), prescindem da referida valoração negativa, fruto de uma avaliação subjectiva, limitando-se a um enquadramento objetivo: a responsabilidade pelo risco avalia a objetividade na distribuição dos riscos sociais, ou seja, devendo outra pessoa responder pelo risco, mesmo não tendo sido praticado no âmbito da ilicitude e culpa. Na segunda modalidade referida, a responsabilidade pelo sacrifico, encontramos condutas que se encontram em conformidade jurídica, mas que necessitam ou advêm de sacrifícios impostos e a exigida necessidade de estes serem compensados. 


Importa distinguir indemnização (direito à eliminação de ou reparação, na medida do possível, do dano real) de compensação (direito a uma reptação patrimonial de valor correspondente ao de certo bem que  mesma pregação vais substituir no património do credor); a responsabilidade ciivl age por indemnização. A reconstituição natural é a regra geral e primária. 

Por último, é importante diferenciar a responsabilidade do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público - “responsabilidade da Administração” - com a responsabilidade dos titulares dos seus órgãos, dos funcionários e demais agentes públicos ou dos “representantes” no serviço das citadas entidades. Embora estreitamente encadeadas, porquanto as pessoas coletivas agirem por intermédio de condutas de pessoas singulares, tratam-se de realidades distintas e autónomas: pode haver responsabilidade direta da Administração sem haver, simultaneamente, responsabilidade dos titulares dos seus órgãos, agentes ou representantes, e vice-versa.


Sentido e alcance das previsões constitucionais 


Como preceitos de especial consideração, aludo ao artigo 22º e a artigo 271º da CRP que tratam, respetivamente, a responsabilidade das entidades públicas e a responsabilidade dos seus funcionários e agentes. Cumpre analisar o seu enquadramento e esclarecer as suas implicações para o tema da responsabilidade, pelo que irei esclarecer: o alcance do principio da responsabilidade direta da administração, e o significado e os limites da solidariedade da AP quanto à responsabilidade funcional dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes. 


(I) O alcance do principio da responsabilidade direta da administração


A responsabilidade indireta da administração prende-se com as entidades públicas responderem “por facto de outrem”, ou seja, nos casos em que há insuficiência patrimonial dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes lesantes, sendo a entidade a suprir as garantias dos particulares. Por outro lado, será a entidade a responder de forma direta nos casos de ações ou omissões lesivas que lhes sejam juridicamente imputáveis, na prossecução do interesse público. A diferença é que, nestes últimos, o autor da lesão é a própria administração no exercício da sua função e por “via unilateral”. Podemo-nos perguntar qual é o âmbito do conceito de “no exercício da função administrativa” e a resposta é que respeita a toda e qualquer atuação inserida no exercício da função administrativa, independentemente do ramo de direito aplicável, que cause danos aos particulares.


O artigo 22.º da CRP, que consagra um princípio geral de responsabilidade direta do Estado e demais entidades públicas nos termos anteriormente explicados, caracteriza-se por ser um verdadeiro foco de discussão doutrinal em torno da sua concretização constitucional da responsabilidade dei estado. Tal direito é, de acordo com o disposto no artigo 17°, um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, nos próprios termos em que se encontra consagrado e à luz do princípio do Estado de Direito, não se pode limitar à violação de posições subjectivas juridicamente protegidas - responsabilidade civil por facto ilícito -, mas deve abranger igualmente os prejuízos causados independentemente de tal violação - nomeadamente, os casos de responsabilidade civil pelo risco e por facto lícito. Não obstante a posição do professor DIOGO FREITAS DO AMARAL, também aqui as opiniões divergem. Contrariamente à doutrina majoritária, encontramos posições, como a do professor Vieira de Andrade, que adota uma tese predominantemente objetivista, defendendo uma não atribuição de direitos subjetivos por parte deste preceito constitucional, sendo apenas uma garantia institucional, associada ao funcionalismo público. 


No que concerne ao meu entendimento, tendo a seguir a posição da doutrina majoritária, assumindo que o artigo 22º se configura num direito fundamental que pressupõe um direito de defesa perante a agressão de um bem do lesado. 


(II) O significado e os limites da solidariedade da AP quanto à responsabilidade funcional dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes


A doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender a existência e acentuação de um princípio jurídico de solidariedade, conjugando-o com outros princípios constitucionais, nomeadamente o da eficiência da Administração e o de uma Administração responsável. No fundo, o panorama da responsabilidade civil da administração pública, é, atualmente: 

  1. Pelos factos ilícitos e culposos, praticados por um órgão, agente ou representante da Administração fora do âmbito e do exercício das suas funções: responsabilidade exclusiva do órgão, agente ou representante;
  1. Pelos factos ilícitos e culposos, praticados pelo órgão, agente ou representante da Administração dentro do âmbito e do exercício das suas funções: responsabilidade solidária da Administração e dos indivíduos que tenham atuado em nome dela. Nesta hipótese: Se o órgão, agente ou representante da Administração atuou com dolo, a Administração goza de direito de regresso contra ele; Se atuou com mera culpa, há responsabilidade exclusiva da Administração;
  1. Nos casos de responsabilidade objetiva, há também responsabilidade exclusiva da Administração. 

Podemos ainda falar em gestão privada e gestão pública. A gestão privada é a atividade que a administração desenvolve sob a égide de direito privado, e a gestão pública é a atividade que desempenha nos termos de direito público. Para qualificar um certo e determinado ato ou facto causador de prejuízos numa ou noutra das aludidas categorias, basta verificar se tal ato se enquadra numa atividade regulada por normas de direito privado (civil ou comercial) ou, pelo contrário, numa atividade disciplinada por normas de direito administrativo.


Na primeira hipótese, o regime da responsabilidade será o que se encontra expresso na lei civil; na segunda, a responsabilidade rege-se pelo disposto na lei administrativa. Em qualquer dos casos, e estando em causa a responsabilidade da Administração ou a responsabilidade dos titulares dos seus órgãos ou agentes que assim o justifique, são os tribunais administrativos as entidades competentes para a apreciação da responsabilidade.

Há, pois, dois regimes de responsabilidade civil da Administração consagrados no nosso direito positivo atual - o regime de responsabilidade por atos de gestão privada (código civil) e o regime de responsabilidade por atos de gestão pública (RCEEP no que toca à responsabilidade extracontratual e CCP relativamente à responsabilidade emergente da violação de contratos administrativos) - que, por razões óbvias, se afigura mais importante neste trabalho. 


Feita esta breve introdução de cariz explicativo, faço menção aos regimes jurídicos a que se encontra sujeita a Administração Pública atualmente:

  1. A responsabilidade civil pré-contratual e contratual emergente de contratos sujeitos ao direito privado;
  1. A responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão privada;
  1. A responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública, que podemos dividir em 5 modalidades: Responsabilidade por ação ou omissão ilícita e culposa praticada pelos titulares de órgãos da Administração, seus funcionários ou agentes; Responsabilidade por violação de norma ocorrida no âmbito do procedimento de formação de certos contratos administrativos; Responsabilidade por funcionamento anormal do serviço; Responsabilidade pelo risco; Responsabilidade por ato lícito.

Pode o Estado ser responsabilizado por má administração?


Findas as introduções e desenvolvimentos mais aprofundados sobre cada um dos conceitos, é simples localizar em que reside a nossa temática: capacidade do princípio/dever de boa administração de impor o seu papel como princípio de controlo jurisdicional, o que está, é claro, ligado às diversas opiniões que surgem sobre a juridicidade deste dever. De forma a ser clara no que diz respeito à ligação entre este principio e a responsabilidade do estado, importa analisar a proveniência e a forma de ser do direito administrativo no âmbito da juridicidade. 

Não é novidade que a atividade administrativa está sujeita a direitos fundamentais e a princípios gerais do direito administrativo (que, aliás, têm a função de delinear a atividade administrativa), raciocínio este que se torna sobretudo evidente na atuação discricionária da Administração Pública, que se encontra limitada pelas noções apresentadas. Existe, de facto, um controlo jurisidicional com base na juridicidade dos princípios gerias do direito administrativo - o que gera, é claro, responsabilidade em caso de violação. Dito isto, seria contra-intuitivo assumir que a violação do princípio da boa administração não gera responsabilidade do estado. 

A doutrina predominante entende que a administração está vinculada a este dever. Contudo, continua a ser apelidado, por alguns, de dever jurídico imperfeito, já que existe uma ausência de sanção jurídica. Neste âmbito, o professor DIOGO FREITAS DO AMARAL alerta-nos para a necessidade de não confundir o conceito de juridicidade e justiciabilidade, defendendo que o dever de boa administração é um dever jurídico que não integra o espaço de justiciabilidade, em virtude de não comportar uma proteção jurisdicional. Afirma que existe a juridicidade do dever de boa administração, mas não a sua justiciabilidade, o que acaba por levar a uma relevância jurídica estritamente dentro da administrativa. Adota, assim, o entendimento tradicional de que será impossível, em tribunal, obter a anulação de determinada solução por ser mais ou menos eficiente do ponto de vista técnico, administrativo ou financeiro, em virtude da não pronúncia dos tribunais sobre o mérito dessas decisões, estando as suas competências limitadas à legalidade das mesmas. 

Para o Professor PAULO OTERO, esta questão traduz-se num problema de legalidade, devendo o principio, por isso mesmo, ser alvo de controlo judicial, desde que a boa administração seja avaliada à luz dos postulados da proporcionalidade. Os tribunais passariam a ter o poder de distinguir um agir desproporcional de um agir meramente inoportuno ou inconveniente. Em suma, “a vinculatividade do respeito pelo princípio da boa administração determinou o assalto da legalidade ao hemisfério do mérito do agir administrativo”, atribuindo capacidade de intervenção aos tribunais cujo limite deve ser, precisamente, o respeito pela separação de poderes e pela esfera decisória reservada à Administração Pública.


Terá, afinal, o princípio da boa administração, como principio de eficiência, capacidade para constituir direitos subjetivos dos particulares? Para responder a esta pergunta devemos olhar para este principio à luz da nova reforma do CPA, em que a eficiência surge explicita, bem como os restantes conceitos e, por isso, podemos assumir que possuem relevância jurídica e que, por isso, devem ser respeitados na prossecução do interesse público. 

As opiniões desfavoráveis não significam, porém, que outras importantes vozes não se tenham levantado em sentido positivo, como a do Professor MIGUEL ASSIS RAIMUNDO.

Em primeiro lugar, parece contraditório que um principio normativo e jurídico, aos lado de tantos outros consagrados no ordenamento administrativo, seja diminuído ainda que esteja expressamente consagrado no ordenamento. Poderia meter em causa, afinal, a juridicidade de todos os princípios, já que a expressa consagração não parece garantir a juridicidade. O principio da boa administração, como os restantes princípios,, defende o autor, deve ter um mecanismo de vinculação que permita a invalidação de condutas desconformes com o mesmo.

O autor vai chamar à atenção, ainda, para a legitimidade processual do principio, afirmando que o Ministério Público, o presidente de um órgão colegial ou mesmo os cidadãos residentes de um dado concelho, podem resolver impugnar atos de órgãos autárquicos. Assim sendo, basta que um destes 3 intervenientes queira fazer valer as suas pretensões contra um ato violador da economia, eficiência e eficácia, para que o contencioso administrativo atribua a qualquer destes a tutela jurisdicional requerida. 

Em terceiro lugar, refuta a ideia sobre a qual se cria a impressão de que se ficaria perante uma dupla administração. O controlo jurisidicional é a atividade natural dos tribunais, e esse controlo inclui a apreciação dos princípios que regulam a atividade administrativa , pelo que não haveria complicações. 

Conclusão


O principio da boa administração encontra-se expressamente consagrado no artigo n.º5 do CPA, bem como no artigo 41.º da CDFUE, sendo um direito fundamental dos cidadãos. Embora consagrado, pelo facto de não existir uma sanção jurídica no caso da sua violação, tem vindo a causar divergências no âmbito da sua juridicidade, sendo alvo de opiniões compactas mas diversas. Repare-se que, tradicionalmente, considerava-se que a atribuição de relevância jurídica a um conceito com estes traços poderia ter como consequência a substituição do julgador à Administração, naquele que seria um caso evidente de violação da separação de poderes característica do Estado de Direito e conforme à definição comum do sentido material de Constituição.

A responsabilidade extracontratual, como “última linha de defesa” do Estado de Direito, tem em vista a garantia dos direitos dos particulares, em situações em que esses direitos sejam descumpridos ou violados. A responsabilidade deve ser encarada como a essência do Direito, já que, a não existir, as relações humanas eram livres de consequências, afetando o equilíbrio e harmonia das mesmas, uma vez que ninguém seria responsabilizado pelos seus atos prejudiciais a outrem.

Relativamente à ligação dos dois conceitos, por um lado temos as opiniões que negam a juridicidade do primeiro e outras que, por outro, a afirmam, aceitando-a como parte do sistema jurídico. Tendo a aceitar a segunda posição, não só porque a principal função da administração pública é a prossecução do interesse público, mas também por acreditar que o principio da boa administração é necessário, juntamente com os restantes princípios normativos, para atingir uma harmonia na atividade administrativa. 

Bibliografia

  • AMARAL, D. F. do. (2018, setembro). Curso de Direito Administrativo (E. Almedina, Ed.; 4a ed.), ISBN 978-972-40-7569-3
  • OTERO, P. (2016, agosto). Direito do Procedimento Administrativo (E. Almedina, Ed.), ISBN 978-972-40-7569-3
  • VIEIRA DE ANDRADE, J. C. (2017, dezembro). Lições de Direito Administrativo (Imprensa da Universidade de Coimbra, Ed.), ISBN 978-989-26-1488-5
  • Fonseca, G. C. (2017). A Responsabilidade Administrativa à luz do paradigma da boa administração
  • DA COSTA, A. J. (2018). Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas por Funcionamento Anormal do Serviço 


Realizado por Luana Gama, Turma B, Subturma 14, nº66609


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