PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO
PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO – SANDRA RAVASCO
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O Direito Administrativo é frequentemente
apresentado como sendo o Direito Constitucional concretizado e daí se considerar
que os princípios de Direito Administrativo correspondem à concretização dos
mesmos princípios gerais constitucionais, diz grande parte da doutrina. Vital
Moreira apelida-o de Direito Constitucional Administrativo ou Direito Administrativo
Constitucional |1|.
Esta caracterização permite assumir
a essencialidade de aplicação de princípios constitucionais como o Princípio da
Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça, da Imparcialidade, da Boa-fé e da
Colaboração com os particulares fundamentais à actuação dos órgão e agentes
administrativos de acordo com art.º 266 Constituição da República Portuguesa
(CRP). No CPA (Código do Procedimento Administrativo) encontramos igualmente princípios
paralelos como a responsabilidade, administração aberta, cooperação leal com a EU
e outros de aplicação às tecnologias e privacidade.
A Administração Pública Portuguesa
é reflexo da influência gerada não só pela nossa Constituição, como pelo contexto
internacional do qual fazemos parte como, por exemplo, a participação em Organizações
Internacionais, pela assinatura de tratados e Acordos Internacionais e mais
importante, pelas obrigações geradas pela integração na União Europeia, que através
dos Tribunais e das Administrações Públicas dos membros asseguram a execução do
Direito da União Europeia: pela aplicação directa dos Regulamentos ou através
da transposição de Directivas para Leis e Decretos-Leis.
Para apresentar os Princípios do
Direito Administrativo irei dividir em três grupos distinto:
1. Princípios
de Organização e Funcionamento da Administração
2. Princípios
Gerais da Actividade Administrativa
3. Princípios
de Alcance Procedimental
.1. Princípios de Organização
e Funcionamento da Administração |2|
- Princípio da Boa
administração art.º 5 CPA
Freitas do Amaral define este princípio
como “o dever de a Administração prosseguir o bem comum da forma mais
eficiente possível”. Neste sentido, vem previsto no art.º 81 alínea c) CRP
- Princípio da unidade e eficácia da acção da administrativa art.º 6 CRP e art.º 3 da lei 4/2004, 30 de dezembro
No qual define unidade na sua alínea 2) “O princípio da unidade e eficácia da
acção da Administração Pública consubstancia-se no exercício de poderes
hierárquicos, nomeadamente os poderes de direcção, substituição e revogação e
nas inerentes garantias dos destinatários dos actos praticados no âmbito destes
poderes.” Na sua alínea 1) define a orientação
deste preceito “A organização, a estrutura e o funcionamento da Administração
Pública devem orientar-se pelos princípios da unidade e eficácia da acção da
Administração Pública, da aproximação dos serviços às populações, da
desburocratização, da racionalização de meios, da eficiência na afectação de
recursos públicos, na melhoria quantitativa e qualitativa do serviço prestado e
da garantia de participação dos cidadãos, bem como pelos demais princípios
constitucionais da actividade administrativa acolhidos pelo Código do Procedimento
Administrativo”.
- Princípio da administração
aberta (arquivo aberto e cooperação) art.º 17
Este é o princípio que representa
a transparência e o acesso dos cidadãos à informação, permitindo o acesso aos
arquivos e registos administrativos, sob todas as formas técnicas possíveis (visual,
escrita, sonora, etc…) e é concretizado pela LADA |4| Lei de acesso aos documentos administrativos. Este princípio pode, porém, ser incompatível
com outros direitos constitucionalmente protegidos como é a protecção de dados |5| consagrado no art.º 17 CPA e no art.º. º35 CRP em temas sensíveis como a
segurança, o sigilo fiscal, investigação criminal, privacidade, etc… e nesse
caso sobrepõem-se o art.º 268 2) CRP, que impede o acesso aos dados.
- Princípio da Participação
art.º 12 CPA
Este artigo consagra o direito dos cidadãos a participar, na defesa dos seus interesses, na gestão da administração pública, consagrado também na CRP nos art.º 48 e 267 1). Freitas do Amaral |6| interpreta este princípio como o dever dos cidadãos de participar na vida da Administração para além de apenas votar em eleições, intervindo mesmo no funcionamento quotidiano, com recurso a esquemas estruturais e funcionais de participação (de forma alguma como democracia directa).
- Princípio da cooperação
com os particulares art.º 11 CPA e colaboração leal com a União Europeia art.º
19 CPA
Estes princípios estipula o dever
de colaboração com os particulares e com as instituições da União Europeia, devendo
auxiliar sempre que possível e também abster-se de criar obstáculos.
- Princípio da aproximação
dos serviços às populações art.º 5 CPA
Este princípio procura permitir às
populações o acesso aos serviços, criando condições de proximidade não só geográfica,
como psicológica e humana |7|,
direito este consagrado na Constituição no seu art.º 267 1). Está
intrinsecamente ligado à boa administração e subdivide-se em:
- Princípio da descentralização
art.º 6 CPA e 237 CRP
A descentralização pode ser
institucional, territorial ou associativa, estipulada pela constituição, por lei
ou por acto administrativo. Consagrada no art.º 6 CRP.
- Princípio
da desconcentração art.º 44 CPA e 267 CRP
Este princípio refere-se à
desconcentração do poder e pretende-se que seja realizada de forma legal ou
através da delegação de poderes. Pode ser vertical ou horizontal, originária ou
derivada.
.2. Princípios Gerais da
Actividade Administrativa
- Princípio de prossecução do
interesse público art.º 4 CPA
Este princípio pressupõe à
Administração Pública, como base da sua actuação, o respeito pelos interesses e
direitos legalmente protegidos dos particulares em conexão com o princípio da
legalidade: é a lei que define quais os interesses públicos que a administração
deve perseguir. Simultaneamente, o princípio da prossecução do interesse publico
também surge ligado ao princípio da boa administração, prevalecendo sempre a
escolha que seja mais eficaz e eficiente e ao princípio do respeito pelos
interesses legalmente protegidos dos cidadãos, na medida em que actua como
limitador da actuação da Administração Pública.
- Princípio da legalidade art.º
3 CPA e 266 CRP
O princípio da legalidade por ser
definido de uma forma simplista, como o princípio que exige à Administração
Pública, obediência à lei, e quando dizemos “lei” queremos na realidade falar
de todo o bloco legal que inclui: direito internacional, direito da União
Europeia, Constituição, lei ordinária, regulamento, direitos resultantes de contratos
de direito privado ou administrativos, de actos constitutivos de direitos e princípios
gerais de direito. O princípio da legalidade subdivide-se em duas modalidades:
- Princípio da prevalência ou preferência de
lei (legalidade-limite) |8|,
significa que nenhuma actuação administrativa inferior à lei pode ir contra o
bloco legal
-
Princípio de reserva de lei ou precedência de lei (legalidade-fundamento) |9|,
significa que nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser praticado sem
fundamento no bloco legal
Excepção ao princípio da
legalidade: art.º 3 2) CPA “Os
actos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das
regras estabelecidas neste Código, são válidos, desde que os seus resultados
não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados terão o direito
de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração”
desde que cumpridos todos os pressupostos: “o agir administrativo em estado de
necessidade consiste na actuação, objecto de permissão normativa à margem do
princípio da legalidade em sentido estricto, face a circunstancias excepcionais
de perigo eminente e actual para um interesse público essencial cuja produção não
haja concorrido a vontade do agente, se de outro modo não puder ser alcançado o
mesmo resultado” |10|
- Princípio da igualdade
art.º 6 CPA + 13 e 266 CRP
As igualdades impõem que se trate
de modo igual o que é juridicamente igual, e diferente o que é juridicamente
diferente, na medida da diferença. Alguns autores consideram o art.º 6 CPA uma
adaptação do art.º 13 CRP, na qual se estipula a proibição de discriminação, o
que na verdade por significar um problema anti-equidade em situações de
discriminação positiva. Freitas do Amaral afirma que a igualdade se projecta em
duas vertentes distintas e opostas: a proibição de discriminação e obrigadão de
diferenciação |11|
- Princípio da
proporcionalidade art.º 7 CPA
- Princípio
da adequação: critérios de decisão e adequação que deve ser apta e
apropriada para prosseguir o fim;
- Princípio da necessidade: enquanto
proibição de excesso, devendo escolher dos actos possíveis, o menos lesivo.
- Princípio da proporcionalidade em
sentido estricto: no sentido de equilíbrio, quando a escolha menos lesiva,
ainda assim, corresponda a lesão desproporcional face ao objectivo |13|
- Princípio da Justiça e
razoabilidade art.º 8 CPA
No no art.º 6 do antigo CPA, o princípio da
justiça surgia juntamente com o princípio da imparcialidade, no qual definia
que “Administração Pública deve tratar de forma
justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”. Em 2015, por influência
do direito anglo-saxónico alterou-se o artigo adicionando um novo conceito que
infelizmente não veio resolver o problema criado por conceitos indeterminados
como são justiça e, mais tarde, razoabilidade.
- Princípio da
imparcialidade art.º 9 CPA
A este princípio atribui-se a
estipulação do dever de não tomar partido nas contendas e decidir com base em
critérios objectivos de interesse público. Freitas do Amaral |14| divide em vertente negativa, quando a Administração se deve abster de
intervir em actos, procedimentos e contratos que possam colocar em causa, pela
sua natureza, a imparcialidade da Administração, regulada nos art.º 69 a 76 CPA
– garantias (preventivas) de imparcialidade e vertente positiva, quando
é dever da Administração, ponderar todos os interesses públicos (…) equacionáveis
para o efeito de certa decisão, antes da sua adopção - art.º 17 e 82 CPA.
- Princípio da boa-fé art.º
10 CPA
Consagrada também ela na CRP, no
seu art.º 266 2), o princípio da boa-fé tem a sua origem no direito privado e
materializa-se através de dois outros princípios: o princípio da confiança (necessidade
de sempre considerar o interesse público na actividade administrativa) e o
princípio da materialidade subjacente (não basta a aplicação das formalidades
previstas por lei: tem de ter em vista o alcance do objectivo).
- Princípio da
responsabilidade art.º 16 CPA
Também chamado de princípio de
accountability (princípio de responsabilização), vem acompanhar a evolução do
direito administrativo e está ligado a outros diplomas no âmbito da responsabilidade
civil |15| ou obrigacional da Administração Pública, que regulam a responsabilidade do
Estado conforme exigido no art.º 22 CRP.
- Princípios aplicáveis à
administração electrónia art.º 14 CPA
O objectivo destes princípios é
promover a adopção e evolução tecnológica buscando eficiência, eficácia,
rapidez e transparência. Este artigo surge conectado com o art.º 18 e com o
art.º 6 da igualdade: o envelhecimento e iliteracia da população exige alternativas
de acordo com as suas limitações, não podendo o objectivo de alcançar a independência
tecnológica discriminar a quem a ele não consegue aceder (61º 1), 63º, 64º, 112º
CPA).
- Princípio da protecção de
dados pessoais art.º 18 CPA + RGPD
Conforme já mencionado na
descrição do art.º 17 CPA, o regulamento europeu veio impôr regras muito estritas
quanto ao tratamento dos dados dos cidadãos, estando sujeita ao RDPG |16|
.3. Princípios de Alcance Procedimental
- Princípio da decisão art.º 13
CPA + 41 CPA
Este princípio determina que sempre
que seja instada, está a Administração obrigada a decidir ou remeter para a
entidade competente quando a incompetência assim determine.
- Princípio da gratuidade art.º
15 CPA
Determina este princípio a gratuidade
do procedimento administrativo, salvo as excepções legalmente determinadas, e
mesmo nestes casos poderá haver lugar, nalgumas situações, quando comprovadas
dificuldades económicas do particular.
- Princípio da adequação procedimental
art.º 56 CPA
Este princípio confere
discricionariedade ao responsável pela decisão, respeitando parâmetros e
limites estipulados pela lei.
[1]
Cit. FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. II”, Almedina,
4ª edição 2023
[2]
FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. I”, Almedina, 4ª
edição, 2022
[3]
Decreto-lei 442/91, de 15 de novembro Decreto-Lei
n.º 442/91 | DR (diariodarepublica.pt) REVOGADO
[4] Regime de acesso
à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos
administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 17 de novembro Lei n.º 26/2016,
de 22 de Agosto (pgdlisboa.pt)
[5] Regulamento geral sobre a protecção de dados RGPD da UE Regulamento
(UE) n.º 679/2016, de 27 de abril Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril
(pgdlisboa.pt)
[6]
FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. I”, Almedina, 4ª
edição, 2023
[7]
FREITAS DO AMARAL FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. I”,
Almedina, 4ª edição, 2022
[8]
FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. II”, Almedina, 4ª
edição, 2023
[9]
idem
[10]
Acordão STA 03478/14.1BEPRT
[11] F
[12]
GOMES CANOTILHO cit. In “Curso de Direito Administrativo Vol. II”, Almedina, 4ª
edição, 2023”
[13] Acordão do STJ 42/18.0YFLSB
[14]
FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. II”, Almedina, 4ª
edição, 2023
[16]
Regulamento geral sobre a protecção de dados RGPD da UE Regulamento (UE) n.º
679/2016, de 27 de abril Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril
(pgdlisboa.pt)
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