PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

 

PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO – SANDRA RAVASCO 67608

O Direito Administrativo é frequentemente apresentado como sendo o Direito Constitucional concretizado e daí se considerar que os princípios de Direito Administrativo correspondem à concretização dos mesmos princípios gerais constitucionais, diz grande parte da doutrina. Vital Moreira apelida-o de Direito Constitucional Administrativo ou Direito Administrativo Constitucional |1|.

Esta caracterização permite assumir a essencialidade de aplicação de princípios constitucionais como o Princípio da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça, da Imparcialidade, da Boa-fé e da Colaboração com os particulares fundamentais à actuação dos órgão e agentes administrativos de acordo com art.º 266 Constituição da República Portuguesa (CRP). No CPA (Código do Procedimento Administrativo) encontramos igualmente princípios paralelos como a responsabilidade, administração aberta, cooperação leal com a EU e outros de aplicação às tecnologias e privacidade.

A Administração Pública Portuguesa é reflexo da influência gerada não só pela nossa Constituição, como pelo contexto internacional do qual fazemos parte como, por exemplo, a participação em Organizações Internacionais, pela assinatura de tratados e Acordos Internacionais e mais importante, pelas obrigações geradas pela integração na União Europeia, que através dos Tribunais e das Administrações Públicas dos membros asseguram a execução do Direito da União Europeia: pela aplicação directa dos Regulamentos ou através da transposição de Directivas para Leis e Decretos-Leis.

Para apresentar os Princípios do Direito Administrativo irei dividir em três grupos distinto:

1.      Princípios de Organização e Funcionamento da Administração

2.      Princípios Gerais da Actividade Administrativa

3.      Princípios de Alcance Procedimental

.1. Princípios de Organização e Funcionamento da Administração |2|

- Princípio da Boa administração art.º 5 CPA

No antigo CPA |3| este princípio correspondia ao da desburocratização no sentido do funcionamento eficiente, económico, célere e organizado que facilitasse a vida dos cidadãos. Este conceito mantém na abrangência do novo termo, protegido constitucionalmente pelo art.º 267 1) e 2) da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Freitas do Amaral define este princípio como “o dever de a Administração prosseguir o bem comum da forma mais eficiente possível”. Neste sentido, vem previsto no art.º 81 alínea c) CRP

- Princípio da unidade e eficácia da acção da administrativa art.º 6 CRP e art.º 3 da lei 4/2004, 30 de dezembro 

No qual define unidade na sua alínea 2) “O princípio da unidade e eficácia da acção da Administração Pública consubstancia-se no exercício de poderes hierárquicos, nomeadamente os poderes de direcção, substituição e revogação e nas inerentes garantias dos destinatários dos actos praticados no âmbito destes poderes.Na sua alínea 1) define a orientação deste preceito “A organização, a estrutura e o funcionamento da Administração Pública devem orientar-se pelos princípios da unidade e eficácia da acção da Administração Pública, da aproximação dos serviços às populações, da desburocratização, da racionalização de meios, da eficiência na afectação de recursos públicos, na melhoria quantitativa e qualitativa do serviço prestado e da garantia de participação dos cidadãos, bem como pelos demais princípios constitucionais da actividade administrativa acolhidos pelo Código do Procedimento Administrativo”.

- Princípio da administração aberta (arquivo aberto e cooperação) art.º 17

Este é o princípio que representa a transparência e o acesso dos cidadãos à informação, permitindo o acesso aos arquivos e registos administrativos, sob todas as formas técnicas possíveis (visual, escrita, sonora, etc…) e é concretizado pela LADA |4| Lei de acesso aos documentos administrativos. Este princípio pode, porém, ser incompatível com outros direitos constitucionalmente protegidos como é a protecção de dados |5| consagrado no art.º 17 CPA e no art.º. º35 CRP em temas sensíveis como a segurança, o sigilo fiscal, investigação criminal, privacidade, etc… e nesse caso sobrepõem-se o art.º 268 2) CRP, que impede o acesso aos dados.

- Princípio da Participação art.º 12 CPA

Este artigo consagra o direito dos cidadãos a participar, na defesa dos seus interesses, na gestão da administração pública, consagrado também na CRP nos art.º 48 e 267 1). Freitas do Amaral |6| interpreta este princípio como o dever dos cidadãos de participar na vida da Administração para além de apenas votar em eleições, intervindo mesmo no funcionamento quotidiano, com recurso a esquemas estruturais e funcionais de participação (de forma alguma como democracia directa).

- Princípio da cooperação com os particulares art.º 11 CPA e colaboração leal com a União Europeia art.º 19 CPA

Estes princípios estipula o dever de colaboração com os particulares e com as instituições da União Europeia, devendo auxiliar sempre que possível e também abster-se de criar obstáculos.

- Princípio da aproximação dos serviços às populações art.º 5 CPA

Este princípio procura permitir às populações o acesso aos serviços, criando condições de proximidade não só geográfica, como psicológica e humana |7|, direito este consagrado na Constituição no seu art.º 267 1). Está intrinsecamente ligado à boa administração e subdivide-se em:

-   Princípio da descentralização art.º 6 CPA e 237 CRP

A descentralização pode ser institucional, territorial ou associativa, estipulada pela constituição, por lei ou por acto administrativo. Consagrada no art.º 6 CRP.

-   Princípio da desconcentração art.º 44 CPA e 267 CRP

Este princípio refere-se à desconcentração do poder e pretende-se que seja realizada de forma legal ou através da delegação de poderes. Pode ser vertical ou horizontal, originária ou derivada.

.2. Princípios Gerais da Actividade Administrativa

- Princípio de prossecução do interesse público art.º 4 CPA

Este princípio pressupõe à Administração Pública, como base da sua actuação, o respeito pelos interesses e direitos legalmente protegidos dos particulares em conexão com o princípio da legalidade: é a lei que define quais os interesses públicos que a administração deve perseguir. Simultaneamente, o princípio da prossecução do interesse publico também surge ligado ao princípio da boa administração, prevalecendo sempre a escolha que seja mais eficaz e eficiente e ao princípio do respeito pelos interesses legalmente protegidos dos cidadãos, na medida em que actua como limitador da actuação da Administração Pública.

- Princípio da legalidade art.º 3 CPA e 266 CRP

O princípio da legalidade por ser definido de uma forma simplista, como o princípio que exige à Administração Pública, obediência à lei, e quando dizemos “lei” queremos na realidade falar de todo o bloco legal que inclui: direito internacional, direito da União Europeia, Constituição, lei ordinária, regulamento, direitos resultantes de contratos de direito privado ou administrativos, de actos constitutivos de direitos e princípios gerais de direito. O princípio da legalidade subdivide-se em duas modalidades:

-  Princípio da prevalência ou preferência de lei (legalidade-limite) |8|, significa que nenhuma actuação administrativa inferior à lei pode ir contra o bloco legal

Princípio de reserva de lei ou precedência de lei (legalidade-fundamento) |9|, significa que nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento no bloco legal

Excepção ao princípio da legalidade: art.º 3 2) CPA “Os actos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas neste Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados terão o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração” desde que cumpridos todos os pressupostos: “o agir administrativo em estado de necessidade consiste na actuação, objecto de permissão normativa à margem do princípio da legalidade em sentido estricto, face a circunstancias excepcionais de perigo eminente e actual para um interesse público essencial cuja produção não haja concorrido a vontade do agente, se de outro modo não puder ser alcançado o mesmo resultado” |10|

- Princípio da igualdade art.º 6 CPA + 13 e 266 CRP

As igualdades impõem que se trate de modo igual o que é juridicamente igual, e diferente o que é juridicamente diferente, na medida da diferença. Alguns autores consideram o art.º 6 CPA uma adaptação do art.º 13 CRP, na qual se estipula a proibição de discriminação, o que na verdade por significar um problema anti-equidade em situações de discriminação positiva. Freitas do Amaral afirma que a igualdade se projecta em duas vertentes distintas e opostas: a proibição de discriminação e obrigadão de diferenciação |11|

- Princípio da proporcionalidade art.º 7 CPA

O princípio da proporcionalidade, também consagrado no art.º 2 CRP, surge como concretização da ideia de que “os poderes da administração não devem exceder o estritamente necessário para a realização do poder público” |12| e deve procurar sempre a menos lesão aos particulares tendo de recorrer por isso, a:

-    Princípio da adequação: critérios de decisão e adequação que deve ser apta e apropriada para prosseguir o fim;

-    Princípio da necessidade: enquanto proibição de excesso, devendo escolher dos actos possíveis, o menos lesivo.

-    Princípio da proporcionalidade em sentido estricto: no sentido de equilíbrio, quando a escolha menos lesiva, ainda assim, corresponda a lesão desproporcional face ao objectivo |13|

- Princípio da Justiça e razoabilidade art.º 8 CPA

No no art.º 6 do antigo CPA, o princípio da justiça surgia juntamente com o princípio da imparcialidade, no qual definia que “Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”. Em 2015, por influência do direito anglo-saxónico alterou-se o artigo adicionando um novo conceito que infelizmente não veio resolver o problema criado por conceitos indeterminados como são justiça e, mais tarde, razoabilidade.

- Princípio da imparcialidade art.º 9 CPA

A este princípio atribui-se a estipulação do dever de não tomar partido nas contendas e decidir com base em critérios objectivos de interesse público. Freitas do Amaral |14| divide em vertente negativa, quando a Administração se deve abster de intervir em actos, procedimentos e contratos que possam colocar em causa, pela sua natureza, a imparcialidade da Administração, regulada nos art.º 69 a 76 CPA – garantias (preventivas) de imparcialidade e vertente positiva, quando é dever da Administração, ponderar todos os interesses públicos (…) equacionáveis para o efeito de certa decisão, antes da sua adopção - art.º 17 e 82 CPA.

- Princípio da boa-fé art.º 10 CPA

Consagrada também ela na CRP, no seu art.º 266 2), o princípio da boa-fé tem a sua origem no direito privado e materializa-se através de dois outros princípios: o princípio da confiança (necessidade de sempre considerar o interesse público na actividade administrativa) e o princípio da materialidade subjacente (não basta a aplicação das formalidades previstas por lei: tem de ter em vista o alcance do objectivo).

- Princípio da responsabilidade art.º 16 CPA

Também chamado de princípio de accountability (princípio de responsabilização), vem acompanhar a evolução do direito administrativo e está ligado a outros diplomas no âmbito da responsabilidade civil |15| ou obrigacional da Administração Pública, que regulam a responsabilidade do Estado conforme exigido no art.º 22 CRP.

- Princípios aplicáveis à administração electrónia art.º 14 CPA

O objectivo destes princípios é promover a adopção e evolução tecnológica buscando eficiência, eficácia, rapidez e transparência. Este artigo surge conectado com o art.º 18 e com o art.º 6 da igualdade: o envelhecimento e iliteracia da população exige alternativas de acordo com as suas limitações, não podendo o objectivo de alcançar a independência tecnológica discriminar a quem a ele não consegue aceder (61º 1), 63º, 64º, 112º CPA).

- Princípio da protecção de dados pessoais art.º 18 CPA + RGPD

Conforme já mencionado na descrição do art.º 17 CPA, o regulamento europeu veio impôr regras muito estritas quanto ao tratamento dos dados dos cidadãos, estando sujeita ao RDPG |16|

.3. Princípios de Alcance Procedimental

- Princípio da decisão art.º 13 CPA + 41 CPA

Este princípio determina que sempre que seja instada, está a Administração obrigada a decidir ou remeter para a entidade competente quando a incompetência assim determine.

- Princípio da gratuidade art.º 15 CPA

Determina este princípio a gratuidade do procedimento administrativo, salvo as excepções legalmente determinadas, e mesmo nestes casos poderá haver lugar, nalgumas situações, quando comprovadas dificuldades económicas do particular.

- Princípio da adequação procedimental art.º 56 CPA

Este princípio confere discricionariedade ao responsável pela decisão, respeitando parâmetros e limites estipulados pela lei.

[1] Cit. FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. II”, Almedina, 4ª edição 2023

[2] FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. I”, Almedina, 4ª edição, 2022

[3] Decreto-lei 442/91, de 15 de novembro Decreto-Lei n.º 442/91 | DR (diariodarepublica.pt) REVOGADO

[4] Regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro  Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (pgdlisboa.pt)

[5] Regulamento geral sobre a protecção de dados RGPD da UE Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27 de abril  Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril (pgdlisboa.pt)

[6] FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. I”, Almedina, 4ª edição, 2023

[7] FREITAS DO AMARAL FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. I”, Almedina, 4ª edição, 2022

[8] FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. II”, Almedina, 4ª edição, 2023

[9] idem

[10] Acordão STA 03478/14.1BEPRT

[11] FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. II”, Almedina, 4ª edição, 2023

[12] GOMES CANOTILHO cit. In “Curso de Direito Administrativo Vol. II”, Almedina, 4ª edição, 2023”

[13] Acordão do STJ 42/18.0YFLSB

[14] FREITAS DO AMARAL in “Curso de Direito Administrativo Vol. II”, Almedina, 4ª edição, 2023

[15] Regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro (pgdlisboa.pt)

[16] Regulamento geral sobre a protecção de dados RGPD da UE Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27 de abril Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril (pgdlisboa.pt) 

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