O Estado de necessidade administrativa e o princípio da legalidade

Aluna: Naomi Miki

N° 67647  


  1. 1. Introdução

  2.  

Tem-se que a Administração Pública age de maneira a promover o interesse público, contudo, e que essa atuação não pode ser realizada de forma arbitrária, mas sim pautada pela observância de princípios e normas estabelecidas. Um dos princípios que deve ser observado pela administração é o princípio da legalidade que está relacionado com a ideia de que os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com base na submissão à lei 

No entanto existem situações excepcionais a este princípio, sendo por nós analisada o caso do estado de necessidade. 

 

  1. 2. Estado de necessidade  

 

O Estado de necessidade administrativa está previsto no art. 3°/2 do CPA, que diz que “os atos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas neste Código, são válidos desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados terão o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da administração”. Ou seja, trata-se dos casos em que a lei permite a Administração pública uma atuação imediata e urgente, violando o respeito por determinadas regras, com o objetivo de ressalvar direitos essenciais.   

O professor Marcelo Rebelo de Souza diz que o art. 3°/2 do CPA “visa englobar o estado de necessidade como um todo, o que converte o respectivo regime num regime legal excepcional, que o mesmo é dizer projectando, também ele, o princípio da legalidade”, assim dizendo que há uma legitimação dessa atuação administrativa perante a esse estado de necessidade. 

O professor Freitas do Amaral traz a ideia de que o “estado de necessidade fica abrangido pela ideia de Direito, por um princípio de juridicidade, que desde logo encontra raízes constitucionais (art. 266/2 da CRP). O mesmo faz uma análise conjugada do art. 266/2 e 19° da CRP e o artigo 3/2 do CPA, onde considera o estado de necessidade como uma causa de exclusão de ilicitude.  

Desta conjugação surge alguns pressupostos a serem preenchidos para que haja um enquadramento, nomeadamente: 

  • A natureza imperiosa do interesse público a defender 
  • Excecionalidade da situação 
  • Ausência de alternativas menos gravosas (princípio da proporcionalidade) 
  • A situação autêntica da necessidade a resolver 


  1. 3. Princípio da legalidade  


O princípio da legalidade encontra-se estipulado no art.º 266/2 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 3° do CPA e segundo o professor Freitas do Amaral corresponde à prossecução do interesse público, através da atividade administrativa com fundamento e respeito à lei. 

O professor Marcello Caetano possui uma visão proibitiva do princípio analisado, uma vez que este constitui uma limitação a ação administrativa. Cita-se a definição dada pelo professor, que diz o princípio da legalidade corresponde como a impossibilidade da Administração Pública poder, através de nenhum dos seus órgãos ou agentes, praticar atos capazes de lesar os interesses alheios, senão em virtude de uma norma geral anterior.  

O professor Marcelo Rebelo de Souza subdivide este princípio em duas modalidades, sendo elas: a preferência de lei e a reserva de lei. A primeira está relacionada com o facto de nenhum ato de categoria inferior poder contrariar o bloco da legalidade, já a segunda refere-se ao facto de nenhum ato de categoria inferior à lei poder ser praticado sem fundamento no bloco da legalidade. 

Portanto, este princípio obriga os órgãos da administração a uma atuação em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes foram conferidos e em conformidade com os respetivos fins, não havendo então uma atividade administrativa legal sem uma lei que a fundamente. 

 

  1. 4. Estado de necessidade como uma legalidade excepcional 


Na doutrina é discutido sobre se o Estado de necessidade constitui uma exceção a legalidade ou se trata de uma legalidade excepcional, por nós é defendida a doutrina de uma legalidade de exceção, que será abordada a seguir. 

O Professor Diogo Freitas do Amaral, considera que o estado de necessidade não exterioriza uma exceção ao princípio da legalidade, uma vez que está consagrado na própria lei, (art. 3/2° do CPA) consistindo então numa “legalidade excecional”, ou seja, há uma fundamentação legal que vem legitimar essa determinada atuação administrativa. 

Na mesma linha o Professor Paulo Otero, considera este princípio, uma “legalidade excecional ou alternativa”, que permite, caso verificados os requisitos: 

  • A existência de circunstâncias de facto extraordinárias, devendo entender-se que a vontade do decisor administrativo não concorreu para a sua produção 
  • Essas circunstâncias extraordinárias constituem uma ameaça séria, um grave perigo ou risco de dano a bens ou interesses essenciais dos cidadãos  
  • A indispensabilidade e urgência de uma atuação administrativa devido a essencialidade dos interesses/bens em causa
  • A intervenção é realizada através de uma administração contra legem

Para além o Professor diz que para se enquadrar em uma administração contra legem a Administração deverá também  avaliar se os danos resultantes da preterição da legalidade ordinária são ou não justificados face à relevância dos propósitos que se pretendem alcançar com a atuação administrativa contra legem, isto é, se os bens e interesses públicos ameaçados ou já lesados que se visam acautelar podem ser salvaguardados através de meios que não envolvam o afastar de normas integrantes da legalidade normal.”  

Por conseguinte, diz-se que o fato de a Administração agir em estado de necessidade não a exime da responsabilidade face ao ordenamento jurídico.  Neste caso o que acontece é uma concessão para que os órgãos administrativos atuem sem estrita observância de formalidades, a fim de não prejudicar interesses legais mais relevantes no caso específico. Portanto, torna-se evidente que estamos diante de uma legalidade excepcional e não de uma exceção ao princípio da legalidade. 

 

  1. 5. Conclusão 

 

Conclui-se que estamos diante de circunstâncias excepcionais que ao preencher os pressupostos necessários, admite-se que a Administração, em certa medida, viole alguns interesses, mas sempre com o propósito de proteger outros interesses e direitos cuja negligência em sua defesa resultaria em danos maiores.  

Portanto, tem-se que o Estado de necessidade opera dentro do direito, perante a constituição e princípios que orientam a atuação da Administração, ou seja, trata-se de uma exceção fundamentada na própria letra da lei (art. 3°/2 do CPA), que permite a Administração pública atuar de forma a violar o respeito por determinadas regras, com o objetivo de ressalvar direitos essenciais.   

Ressaltasse que essas medidas estão sujeitas ao princípio da proporcionalidade (art. 7° do CPA e art. 266/2 da CRP), de forma a garantir que essas decisões adotadas sejam justas e sensatas. 

Para além dos argumentos mencionados falasse ainda da possibilidade de indenização, que está estipulada no mesmo artigo (art. 3/2 do CPA), onde extrai-se que se a conduta da Administração Pública perante o Estado de necessidade lesou de alguma maneira um direito ou interesse legalmente protegido de um particular ela deve indemnizar o mesmo nos termos da responsabilidade da Administração prevista na Lei nº67/2007, de 31 de dezembro. 

 

  1.  Referências  

 

AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo. Volume II. 4ª edição. Coimbra: Almedina, 2016 

 

OTERO, PAULO, Manual de Direito Administrativo - Volume I, Almedina, 2014. 

 

OTERO, PAULO, Direito do Procedimento Administrativo I, Almedina, 2016 

SOUSA, Marcelo Rebelo de. Direito Administrativo Geral, 2ª edição. Editora D. Quixote. 2009. 

CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra; 

 

 

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