O recurso hierárquico como uma garantia impugnatória

  


            

O recurso hierárquico é uma espécie de garantias impugnatórias. Por sua vez, estas são aquelas em que, perante um ato administrativo já praticado, os particulares são admitidos por lei a impugnar esse ato, isto é, a atacá-lo com determinados fundamentos, com vista à sua revogação, anulação administrativa ou modificação, como prevê o art.º 184/1 e 2 do CPA.  

Desta forma, o recurso hierárquico, após a revisão de 2015 do CPA, pode ser definido como a garantia administrativa dos particulares que consiste em requerer ao superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação ou anulação de um ato administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um ato ilegalmente omitido por este. Assim, o recurso hierárquico apresenta uma estrutura tripartida: o recorrente que corresponde ao particular que interpõe o recurso; o recorrido que corresponde ao órgão subalterno de cuja decisão se recorre, também denominado de órgão “a quo”; e por fim, o órgão decisório que corresponde ao órgão superior para quem se recorre e que deve legalmente decidir o recurso, também denominado de órgão “ad quem”. 

 

As espécies de recursos hierárquicos: 

 

Por um lado, uma possível classificação dos recursos hierárquicos será entre os recursos hierárquicos necessários e os facultativos, segundo o art.º 185/1. Primeiramente, o recurso hierárquico necessário é aquele que é indispensável para se atingir um ato verticalmente definitivo (ato praticado por autoridades cujo atos são diretamente impugnáveis perante um tribunal administrativo) que possa ser impugnado contenciosamente. Ou seja, ou o superior dá razão ao subalterno, confirmando o ato recorrido, e desta decisão confirmativa cabe impugnação contenciosa no tribunal administrativo competente; ou o superior hierárquico dá razão ao particular, recorrente, e nesse caso revoga, modifica ou substitui o ato recorrido e o caso fica resolvido a contento do particular. Seguidamente, o recurso hierárquico facultativo é o que respeita a um ato verticalmente definitivo, ou à omissão ilegal dele que já cabe ação contenciosa. Ou seja, a distinção entre recurso hierárquico necessário e facultativo tem única e exclusivamente a ver com a questão de saber se o ato administrativo era ou não suscetível de recurso contencioso. Assim, esta necessidade do recurso hierárquico não dizia respeito à existência, nem à produção de efeitos do ato administrativo, mas tão só à respetiva impugnabilidade contenciosa, constituindo um mero pressuposto processual daquele. 

Por outro lado, outra possível classificação do recurso hierárquico pode ser legalidade, mérito ou misto. Primeiramente, um recurso hierárquico legal é aquele que o particular pode alegar como fundamento do recurso a ilegalidade do ato administrativo impugnado, ou a ilegalidade da omissão do ato devido. Seguidamente, os recursos de mérito são aqueles onde o particular alega como fundamento deste a inconveniência do ato impugnado, ou da omissão do ato requerido. Por fim, os recursos mistos são aqueles em que o particular pode alegar, simultaneamente, a ilegalidade e a inconveniência do ato impugnado, ou apenas uma delas à sua escolha. 

 

 

 

 

O regime jurídico: 

            

            Em primeiro lugar, ocorrer a interposição do recurso. O recurso hierárquico é dirigido ao mais elevado superior hierárquico ao autor do ato ou da omissão, se a competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada, segundo o art.º 194/1 CPA. Contudo, este recurso tem que ser apresentado, ao órgão quo, o qual o fará seguir depois para a entidade ad quem, com o objetivo que esta o aprecie e decida, segundo o art.º 194/2. 

            Como é que se proceder nos casos em que entre o órgão a quo o a ad quem existe um ou mais graus hierárquicos intermédios? A lei dispensa o longo calvário de caminhar de degrau em degrau e permite recorrer per saltum para a autoridade ad quem como resulta do art.º 194/1. 

 

            Outra questão relevante é o prazo do recurso e quais as suas consequências. Se o recurso hierárquico tiver como objeto a impugnação de um ato que está notificado a interessados, o prazo do recurso vai correr a partir da data de notificação, de acordo com o art.º 188/1. Contudo, nos restantes casos onde não ocorre qualquer notificação aos interessados, o prazo conta-se a partir da publicação, notificação ou conhecimento do ato ou da sua execução, segundo o art.º 188/2. Assim, vai vigorar o disposto no art.º 198/1, que corresponde a um prazo de 30 dias, quando a lei não fixe prazo diferente. Se o recurso não for interposto dentro do prazo, a impugnação contenciosa que venha depois a dirigir-se contra o ato pelo qual o superior decida recurso hierárquico será extemporânea e rejeitada. Por sua vez, se o recurso tiver como objeto contestar a omissão ilegal de um ato, o prazo será contado a partir da data do incumprimento do dever de decisão, segundo o art.º 188/3. 

 

            Em seguida, o recurso pode ter um efeito suspensivo ou não suspensivo. Primeiramente, o efeito suspensivo consiste na suspensão automática da eficácia do ato recorrido. Ou seja, o ato impugnado perde a sua eficácia, incluindo a executoriedade e fica suspensa até à decisão final do recurso. Normalmente, os recursos hierárquicos necessários têm efeito suspensivo ao contrário dos facultativos (salvo se a lei ou o órgão ad quem decidir o contrário), segundo o art.º 189/1 e 2. Seguidamente, se o recurso tiver efeito não suspensivo, o ato recorrido mantém a sua eficácia, enquanto o superior hierárquico competente não decidir sobre ele, sem prejuízo de um superior poder, oficiosamente ou a requerimento do interessado, suspender o ato recorrido. 

            Por sua vez, se tiver sido interposto um recurso hierárquico e a autoridade ad quem não se tiver pronunciado no prazo normal, aplica-se o disposto nos art.º 66 e ss. do CPTA, em matéria de ação administrativa de condenação à prática do ato devido. 

 

            Concluindo, a decisão de recurso hierárquico apresenta três tipos como a rejeição do recurso (órgão ad quem recusa receber e apreciar o recurso por questões de forma, segundo o art.º 196), a negação de provimento (o julgamento do recurso foi desfavorável ao ponto de vista do recorrente, o que equivale à manutenção do ato recorrido) e a concessão de provimento (a questão é julgada a favor do pedido do recorrente. Assim, a decisão do recurso pode implicar a revogação, anulação, modificação ou substituição do ato). Para além disso, se o recurso hierárquico tiver como objeto a omissão legal de um ato pelo subalterno, o órgão ad quem tem duas formas de proceder: se o órgão ad quem tiver competência exclusiva, o superior pode ordenar-lhe a prática do ato ilegalmente omitido. O órgão recorrido fica aqui obrigado a obedecer sob pena de sanções; se o órgão recorrido não tiver competência exclusiva, o órgão competente para decidir pode substituir-se ao órgão omisso na prática do ato ilegalmente omitido, segundo o art.º 197/4. 

 

A inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário: 

 

Certos autores, nomeadamente o Professor Vasco Pereira da Silva, defendem a inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário. Desta forma, o professor enumerava certos argumentos que justificavam a verificação desta violação. 

Em primeiro lugar, o recurso hierárquico necessário é uma violação do principio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art.º 268/4) porque a inadmissibilidade de recurso contencioso devido à falta de verificação de recurso hierárquico necessário constitui uma negação um direito fundamental de recurso contencioso. Em segundo lugar, é violado o principio constitucional da separação entre a administração e a justiça (art.º 114, 205 e 266 CRP) por fazer precludir o direito de acesso ao tribunal.  Em seguida, o recurso hierárquico necessário também viola o principio constitucional da desconcentração administrativa presente no art.º 267/2 CRP. Este principio implica a imediata recorribilidade dos atos dos subalternos sempre que lesivos, sem prejuízo da lógica do modelo hierárquico de organização administrativa. Por fim, viola o principio da efetividade da tutela, art.º 268/4, em razão do efeito preculsivo da impugnação da decisão administrativa, no caso de não ter havido interposição prévia de recurso hierárquico, no prazo de trinta dias, reduzindo drasticamente o prazo de impugnação de atos administrativos, que pode ser manifestamente curto. 

 

 

Conclusão: 

 

            Em suma, o recurso hierárquico é uma ferramenta que proporciona aos particulares uma via para a impugnação de atos administrativos procurando a sua revogação, anulação ou modificação. No entanto, a discussão sobre a sua constitucionalidade (recurso hierárquico necessário) levanta algumas questões sobre a sua conformidade com os princípios constitucionais fundamentais

 

Margarida Shirley Silveira

Subturma 14

 

Bibliografia: 

 

Amaral, D. (2022). Curso de direito administrativo, volume II. Almedina. 

Pereira Silva, V. (2016). O contencioso administrativo no divã da psicanálise. Almedina. 

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