Simulação: Decisão Final do Governo

 

Simulação: Decisão final do Governo



1- Breve introdução e contextualização

    Cabe ao presente Governo, recentemente legitimado pela vontade popular, pronunciar-se sobre a reforma dos serviços da Agência Portuguesa do Ambiente, no desempenho da tarefa de realização da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Na verdade, quer a legislação interna, quer a europeia, impõem a autonomia e a imparcialidade da “Autoridade de Impacto Ambiental” na tomada de decisões, facto que parece ser incompatível com a atual estrutura administrativa. Serão brevemente refutadas as hipóteses em discussão, tendo em conta as vantagens e os inconvenientes das mesmas, concluindo o Governo pela alternativa que se lhe afigure mais adequada a garantir a independência e a autonomia da entidade respetivamente incumbida para o efeito. 

    Serão, pois, estes os fatores críticos de decisão, de uma avaliação intrinsecamente interdisciplinar, áreas temáticas que se entrecruzam e que geram diferentes desafios. Tem-se, ainda, em consideração, uma lógica de longo prazo, explicada pelos princípios estratégicos de ponderação adotados, nomeadamente o primado do interesse nacional (não qualquer grupo de interesse), flexibilidade e capacidade de adaptação e uma transparência assegurada pelo processo plural – vetores cruciais a uma atividade independente, autónoma e imparcial. 

    O universo da Administração Pública bifurca-se numa dicotomia essencial: a Administração Pública do Estado (AP) e a Administração Pública Autónoma (em relação ao Estado). A AP do Estado consiste naquela que prossegue a satisfação de interesses públicos do Estado: interesses públicos administrativos nacionais ou gerais. Nuns casos, os organismos, serviços e autoridades instituídos para a realização dos fins do Estado não detêm personalidade jurídica, como é o caso da Direção-Geral da Saúde, a Polícia de Segurança Pública ou a ASAE. Mas a realização dos fins do Estado é confiada, com frequência, a organismos por ele especificamente criados para o efeito e dotados de personalidade jurídica, por exemplo, a Agência Portuguesa do Ambiente, IP, com a CP, EPE, com o Banco de Portugal ou com as universidades públicas.

    Podemos discernir, dentro da Administração do Estado, um setor composto pela Administração estadual direta e um outro pela Administração estadual indireta: a primeira indica os órgãos e serviços da AP incrustados no Estado, enquanto pessoa coletiva pública (“Estado-Administração”); a segundo integra os múltiplos organismos providos de personalidade jurídica instituídos pelo Estado para a realização das suas missões ou atribuições. Fora da esfera do Estado, por não lhe pertencerem, encontramos entidades que assumem a responsabilidade da realização de fins do Estado; por esta natureza funcional, encontram-se na esfera de influência da AP do Estado. 

    Ora, o Estado Administrativo Português tem de observar as exigências postuladas pela regra segundo a qual a República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático (art.2º, Constituição da República Portuguesa, adiante apenas CRP). A democracia administrativa deve estar presente na ação concreta da Administração, na organização do sistema administrativo e na adoção de soluções, esquemas e modelos organizativos aptos a responder a exigências de legitimação democrática, de imparcialidade, ética pública e anticorrupção, de transparência administrativa e de participação dos cidadãos na Administração Pública. 

    O princípio do Estado de direito democrático condiciona fortemente a arquitetura da organização administrativa. Como todo o poder político, o poder administrativo pertence ao povo (art.108º CRP) e, por isso, o seu exercício pela Administração carece de legitimação (define a doutrina com “objeto carecido de legitimação”). No plano pessoal, a exigência de legitimação democrática reclama que as estruturas da organização administrativa e responsáveis pelo poder administrativo se encontrem confiadas e sejam dirigidas por indivíduos escolhidos pelo povo (eleição) ou designados a qualquer título por indivíduos que detenham uma legitimação imediata ou mediatamente derivada do povo. A subordinação da Administração (enquanto corpo de funcionários) a agentes (da esfera política). No caso em que os titulares do poder administrativo não são diretamente eleitos pelo povo, um elemento essencial da legitimação democrática é a dependência funcional desses agentes perante titulares do poder, assente numa lógica de responsabilização (art.190º).


Unidade de sentido e de fim

    Apesar da ideia de unidade como critério condicionante de modelação do sistema administrativo, concluímos que não se trata de um princípio absoluto, uma vez que a CRP assume a existência de setores ou organismos da AO que se localizam fora da unidade do sistema. Não existe uma pessoa, um órgão ou um organismo que tenha a incumbência de orientar e dirigir todos os organismos do sistema administrativo. O Governo, apesar de ser órgão superior da AP, não tem essa incumbência em relação a toda a Administração. Não subsiste, pois, a uma unidade do sistema administrativo em termos organizativos. Mas já existe uma unidade de fim ou de sentido dos elementos que integram o sistema administrativo. Esse momento de unidade, de recorte teleológico, encontra-se no facto de a Administração Pública se encontra exclusivamente vocacionada para a realização do interesse público, definido em sede político-legislativa. Sem exceção, todas as entidades, organismos e instâncias que integram a Administração Pública, seja qual for o estatuto ou condição que ocupam no sistema administrativo, estão ao serviço do interesse público.

    Depois desta introdução passemos então para a escolha sobre quem e de que forma se vai realizar a AIA. Começaremos por refutar cada uma das opções não escolhidas e, no final do relatório, apresentaremos e justificaremos a opção por nós escolhida.


1. Manutenção da atual dualidade de estatuto jurídico da Agência Portuguesa de Ambiente, a qual, além das tarefas desempenhadas habitualmente por direções-gerais, desempenhada também outras tarefas autónomas e independentes, nomeadamente a avaliação de impacto ambiental.

 

    Sendo esta a opção, pretende-se saber quais as melhorias de organização e funcionamento a introduzir para aumentar a independência da tarefa de AIA. Em primeiro lugar, importa perceber o que é a APA e o que é esta sua função de Avaliação de Impacto Ambiental. A APA é, atualmente, um Instituto Público que resulta da fusão de vários antigos Institutos como o Instituto da Água, o Instituto das Administrações de Região Hidrográfica, da Comissão para as Alterações Climáticas, entre outras (art. 15º do Decreto Lei 56/2012, de 12 de Março). Com a extinção dos serviços e organismos acima referidos a APA, I. P., concentra atribuições até agora dispersas em diversos organismos e institutos, permitindo deste modo uma melhor coordenação, harmonização e simplificação de procedimentos, bem como a racionalização dos recursos que consequentemente levarão ao aumento de eficiência, da eficácia e da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos que lhes permitirão basicamente, ter um melhor ambiente. A APA, I. P. (caso funcionasse corretamente) teria assim um importante papel na apresentação e execução de propostas e políticas promotoras de um melhor ambiente e de um desenvolvimento mais sustentável para os cidadãos portugueses. É precisamente dentro destas propostas e políticas que se enquadra a tarefa referida: avaliação de impacto ambiental. 

    Como recentemente afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, nós, Planeta Terra, estamos à beira de uma grave crise climática, questão essa cada vez mais premente e fulcral para a nossa sobrevivência enquanto espécie. Concordamos, como governo que caso esta não for uma questão resolvida e tratada como prioritária, pode mesmo não ter solução. 

    Para além de tudo isto há também uma grave crise de degradação das espécies animais e de ecossistemas. Num século que começou apenas há 23 anos já foram extintas, no mínimo, 10 espécies, sendo que esse número segundo alguns especialistas poderá chegar às 150. Por exemplo: em 2022, mais de 16 mil espécies foram declaradas como estando em perigo de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza.   

    Trata-se, pois, dos mais graves e perigosos problemas da Humanidade que urge combater e prevenir, de forma a salvaguardar o futuro da nossa espécie e do Planeta Terra.. Deste modo, estes problemas têm de ser encarados da mais séria e correta forma. Tendo toda a Humanidade de fazer a sua parte, importa-nos a nós, Governo de Portugal, verificar o que se pode fazer para os combater. Combate esse que passa naturalmente pela APA e por uma melhoria na sua tarefa de Avaliação de Impacto Ambiental, fundamental para combater os problemas em cima referidos. 

    Importa, assim, perceber se a APA deve manter o atual o regime jurídico de dualidade ou se, por outro lado, seria melhor haver uma das 6 modificações apresentadas pelas empresas consultoras que melhor permitisse cumprir os seus objetivos desta Agência. 

    Face às polémicas resultantes de conflitos judiciais e de controvérsias políticas que assombraram o anterior governo, nós, que queremos ser a mudança e trazer o melhor para Portugal, consideramos que a atuação da Agência Portuguesa do Ambiente tem sido manifestamente incapaz e insuficiente para desempenhar a sua tarefa de realização da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) de forma imparcial e autónoma. 

    De facto, apesar de esta ser supostamente uma “Agência”, parece-nos inequívoco que apenas está em causa um nome, dado que, na prática, tem funcionado como uma Secretaria, isto é, um mero serviço personalizado do Estado e do antigo governo. Ou seja, atualmente, o que temos é uma situação em que o Ministério do Ambiente se libertou dos seus serviços de Direção Geral, delegando-os à Agência em questão. Mas esta delegação não foi uma delegação que permitisse melhorias em termos da independência e autonomia, antes, apesar de se chamar Agência, uma entidade que funciona verdadeiramente como uma Direção Geral, dependendo totalmente do Ministério do Ambiente. 

    Assim, apesar de esta estar definida no Decreto Lei 52º/2012, no seu artigo 1º, como “um instituto público integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio” e que tem certas tarefas autónomas e independentes como a AIA, a verdade é que a Agência Nacional do Ambiente em absolutamente nada é autónoma ou imparcial, mas um mero serviço personalizado do Estado, obediente e subserviente a ele. Tal vai expressamente contra a legislação interna e europeia que esta avaliação deve ser levada a cabo por uma entidade autónoma e independente. 

    E para quem pensa que do facto de a ANA ser um mero serviço personalizado do Estado não vem nenhum mal ao país desengane-se: só sabendo este facto é que se percebe o porquê de quase todas as decisões de impacto ambiental relacionadas com o antigo Governo serem benéficas para o mesmo. E não, não é coincidência. Mais: com certeza que não será possível a uma entidade que é constantemente aprisionada pelo Ministério do Ambiente que haja um pingo de imparcialidade ou autonomia nas suas decisões. É um exemplo gritante disto o facto da assinatura dos contratos de lítio pelo Governo se ter efetuado sem previamente existir uma declaração da ANA, relativamente ao impacto ambiental. 

    É por isso que nós, o novo governo eleito, achamos totalmente inadmissível que se perspetive a manutenção do atual regime jurídico, uma vez que este apenas serve o Estado e os interesses do governo, não os portugueses, nunca os portugueses, e nunca o seu direito a um ambiente melhor e mais saudável através de uma Avaliação de Impacto Ambiental imparcial e autónoma, para que a decisão de AIA possa ser livre e independente para de facto cumprir o seu propósito: avaliar e pronunciar-se sobre as decisões de impacto ambiental, sendo essencial para isto ser independente. 

    Hoje, mais do que nunca, urge mudar o sistema atual que não serve os interesses públicos.


2. Modelo concentrado e integralmente estadual, dirigido por uma “comissão executiva” (“task force”) de técnicos independentes, sob a imediata égide do Ministro do Ambiente e da Ação Climática.


     Antes de mais, cabe evidenciar a natureza desta comissão técnica (task force) e posicioná-la dentro das várias modalidades de Administração. Esta comissão seria uma entidade integralmente estadual, que ficaria sob a égide do Ministério do Ambiente encontrando-se na Administração Direta do Estado que se caracteriza por ser a atividade prosseguida pelos órgãos, serviços e agentes integrados na pessoa coletiva do Estado que, de forma direta e imediata procura satisfazer as necessidades da coletividade. O conceito de Estado, neste contexto, refere-se à pessoa coletiva de Direito público (Estado-administração), cujo órgão superior é o Governo no exercício das funções de natureza administrativa, nos termos do artigo 199.º da Constituição da República Portuguesa. 

    Esta comissão estaria, pois, sob dependência hierárquica do Governo, e mais concretamente do Ministério do Ambiente e da Ação Climática na pessoa do Ministro do Ambiente. Desta relação hierárquica - modelo de organização vertical que estabelece, entre dois ou mais órgãos e agentes, um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direção e impõe ao subalterno o dever de obediência -, derivam três tipos de poderes atribuídos ao Governo: 

- poder de direção que consiste na faculdade de o Governo dar ordens e instruções (sendo as primeiras concretas e as segundas abstratas) em matéria de serviço desta entidade. 

- poder de supervisão que se traduz na faculdade de revogar, anular ou suspender atos praticados pelo

subalterno.

- poder disciplinar, ou seja, a faculdade de aplicar sanções (previstas na lei) como consequência de infrações por esta entidade praticadas.

    Outros poderes (menos “típicos”) fruto desta relação hierárquica são os poderes de inspeção, de “decidir recursos”, de decidir conflitos de competência e ainda de substituição. 

    Os membros desta comissão, os técnicos independentes, estariam sujeitos ao dever de obediência face a ordens e instruções advindas do Governo, como reflexo do poder de direção deste. Embora este dever não corresponda a uma sujeição absoluta a toda e qualquer ordem ou instrução, ideia aliás incompatível com a vivência em Estado de direito, corresponde sim a uma maior força jurídica atribuída à vontade do superior que assim se pode impor ao subalterno na tomada de decisões e no exercício das funções deste último. A primeira desvantagem desta opção seria pois a falta de autonomia na AIA a ser levada a cabo por esta comissão executiva que estaria sob dependência hierárquica do Governo, não sendo suficientemente independente na sua tarefa. Cabe lembrar que a principal tarefa a desempenhar pela AIA é a de avaliar os impactos ambientais (como o nome indica) de projetos tanto públicos como privados, sendo que o parecer ambiental consequente poderá ter um peso significativo no futuro do projeto em causa e influenciar até a sua não concretização. Para além de que cabe também à AIA a decisão sobre possíveis medidas a adotar por determinado projeto para atenuar os seus efeitos nocivos para o ambiente. Sublinha-se por isso a importância fundamental de se assegurar uma total independência da entidade responsável pela AIA de forma que consiga ser totalmente imparcial, não se compatibilizando esta necessidade com a sujeição desta entidade a um poder de direção governamental e a um correspondente dever de obediência, condicionantes evidentes das suas decisões e medidas em matéria de impacto ambiental.

    Por outro lado, geralmente as comissões executivas (task forces) são criadas para fazer face a uma situação de crise ou emergência, como aconteceu durante a pandemia em que se criou uma task force de forma a agilizar o processo de distribuição das vacinas. A estas comissões está por isso associado um carácter de provisoriedade, de existência limitada por forma a resolver uma situação extraordinária e especial, de natureza não duradoura. Consideramos pois, que o carácter geralmente provisório destas comissões não se adequa da melhor forma à desejada continuidade e estabilidade da tarefa de AIA que não se esgotará em termos temporais nem deverá ser realizada de forma excepcional mas de forma regular e constante. Assim a existência de uma entidade com esta natureza poderia pôr em causa (ou pelo menos não contribuiria) para a estabilidade administrativa que se pretende para o país. 

    Desta forma, consideramos que esta hipótese não se adequa da melhor forma à tarefa de AIA. Primeiro pela falta de autonomia e independência desta comissão que estaria integrada na Administração direta do Estado e que estaria, por isso, sujeita a poderes de direção por parte do Governo, não podendo garantir-se de forma eficaz a imparcialidade da AIA. Por fim, não se considera ser uma hipótese que promova a estabilidade administrativa que se pretende para Portugal dado que a generalidade destas comissões (como coube acima lembrar) é criada face a circunstâncias excepcionais que revelam problemas concretos e que urgem soluções rápidas, não sendo propriamente este o âmbito da AIA que deverá versar pela estabilidade, confiabilidade e solidez das suas decisões, testadas pelo tempo e confiáveis pela experiência. 

    Esta solução peca pois pela falta de autonomia e independência a que estaria sujeita a AIA, não podendo dar garantias efetivas de imparcialidade e por se mostrar contrária à natureza de entidade que se pretende para levar a cano esta atividade tão importante de proteção do ambiente (que como já coube lembrar, corresponde a um direito fundamental, com expressão constitucional – artigo 66.º, CRP).


3. Atribuição da tarefa de AIA a uma empresa pública, de organização e atuação privada.


     A título inicial, cabe ter em conta que, com as alterações trazidas pelo Decreto-Lei nº133/2013, de 3 outubro, enquanto a normatividade anterior de uma espécie de empresas púlicas (sob forma pública, isto é, institutos públicos), o diploma de 2013 visa regular genericamente o “setor público empresarial”, distinguindo três espécies de empresas que dele fazem parte: a) as empresas públicas sob a forma privada, que são sociedades controladas pelo Estado; b) empresas públicas sob forma pública, designadas “entidades públicas empresariais”, que são pessoas coletivas públicas; c) empresas privadas participadas pelo Estado, que não são empresas públicas, mas integram igualmente o SEE.

    Teremos em conta as empresas públicas no quadro da administração indireta do Estado. Nos termos do art.5º e art.56º do DL nº133/2013, o conceito de empresa pública compreende a ideia de que a forma jurídica da mesma é irrelevante, uma vez que há empresas públicas que são sociedades comerciais, as que constituem pessoas coletivas privadas; as empresas públicas sob forma pública têm direção e capitais públicos; as empresas públicas sob forma privada caracterizam-se pela sua subordinação à “influência dominante” do Estado, ou de outras entidades públicas, a qual pode resultar da “maioria do capital”, da “maioria dos direitos de voto”, do direito de “designar ou destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização”, bem como da disposição de “participações qualificadas ou de direito especiais que permitam influenciar de forma determinante os processos decisórios ou as opções estratégicas da empresa (DL nº133/2013, art.9º/1). 

    Ou seja, como refere o Professor Freitas do Amaral, a empresa pública é uma empresa em sentido económico, cujo carácter público não lhe advém apenas do facto de a maioria do capital pertencer a entidades públicas, mas pode resultar, em alternativa, da titularidade por tais entidades de “direitos especiais de controlo”, que lhe deem sobre a empresa uma “influência dominante”. Segundo o Professor Freitas do Amaral, podemos definir as empresas públicas como as organizações económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídicas públicas. 

    Há vários motivos de criação de empresas públicas, entre eles:

- Domínio de posições-chave na economia

- Modernização e eficiência da Administração (a empresa pública já não aparece como instrumento da intervenção do Estado na economia, mas fator e instrumento de reforma da Administraçao Pública, para conseguir maior rendimento da máquina administrativa).

- Aplicação de um sanção política: isto é, podem criar-se EP como sanção (punição política, mediante nacionalização)

- Necessidade de um monopólio: há outros casos em que as empresas públicas resultam de considerar que em certos setores a atividade económica deve ser desenvolvida em regime de monopólio, entendendo-se que não se justifica que esteja em mãos de particulares, criando-se as respetivas empresas públicas.

- Outros motivos: o desejo de prestar ao público bens ou serviços em condições favoráveis, a suportar pelo erário público; a vontade de incentivar o desenvolvimento de certa região; desempenho de atividades em que seja particularmente importante evitar fraudes e irregularidades; necessidade de continuação da exploração de serviços públicos cuja concessão haja sido resgatada; 

    O princípio da gestão privada desdobra-se em todo uma série de corolários que em grande parte a própria lei se apressa a extrair e a formular explicitamente. Especial destaque para a fiscalização das contas: de acordo com o art.26º, as contas das empresas públicas estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, bem como à fiscalização da Inspeção-Geral de Finanças. Demais, impostos da empresa: as empresas públicas estão sujeitas, em princípio, à tributação direta e indireta, nos termos gerais do art.14º/2. Isto significa que as empresas públicas, por terem um regime de gestão privada, têm de pagar impostos ao Estado, como se fossem empresas privadas, ao contrário do que acontece com os institutos públicos.

    Mas há também inúmeros pontos negativos, sendo estes:

- Permanência do fenómeno de “longa manus” controladora do Estado. As empresas públicas, assim como os institutos públicos, estão sujeitas à intervenção do Governo, que reveste as modalidades da superintendência e da tutela. O art.11º do Diploma mencionado estabelece a finalidade principal da intervenção do Governo: “definir a orientação estratégica da cada empresa pública”, ou seja, definir os objetivos a atingir e os meios e modos a empregar para atingi-los. As empresas públicas não são independentes do Estado, ainda que gozem de autonomia, não de independência. As empresas públicas não se autoadministram, desenvolvem uma administração estadual indireta. Os órgãos das empresas públicas dispõem de autonomia de gestão, mas têm de conformar-se com os objetivos fixados pelo Governo, na medida em que pertencem ao Estado, representando o Governo que os nomeou. Falamos de um dependência, ainda que associada a uma relativa autonomia de gestão.

    As empresas públicas são entidades que se enquadram na modalidade da Administração Indireta. Trata-se de pessoas coletivas distintas do Estado ou da pessoa coletiva em causa, as quais, todavia, prosseguem fins daquele (fins públicos). Neste caso já não há poder de direção, mas outro que advém da expressão constitucional de “superintendência” que corresponde a três poderes. O primeiro é o de dar orientações genéricas (o que se deve fazer, que objetivos se devem atingir – não são ordens diretas), o segundo é o poder de legalidade e, por fim, o de mérito (poder de caso a mérito). Existem na medida em que esta modalidade está umbilicalmente afeta ao Estado, tendente a prosseguir os seus interesses. 

    No quadro das Empresas públicas temos algumas empresas, aquelas que o Estado entende que estão mais ligadas ao exercício da respetiva função, que são as empresas de capitais públicos, e que têm uma entidade administrativa de natureza pública: pessoas coletivas de direito público (EPE - entidades públicas empresariais). Têm capital estatutário que só pode ser detido pelo Estado. Depois, há aquelas que são pessoas coletivas de direito privado (EP - empresas públicas em sentido estrito), e que são a maioria, sendo que têm capital social divisível, público ou privado, podendo ser detidas pelo Estado ou pelo Estado e privados. Atualmente, uma das questões que se coloca é a de saber qual é a distinção entre ambas, pois os regimes jurídicos das EPE (entidades públicas empresariais) e das EP (empresas públicas, mas que são privadas) são dificilmente distinguíveis. Portanto, sublinha o Professor Vasco Pereira da Silva, não raras vezes há poucos mais do que uma mera distinção de natureza substantiva. 

    Porém, se observarmos a Lei-Quadro das Empresas Públicas, o critério distintivo parece apontar para a ideia de que, por um lado, desempenham funções administrativas tradicionais (funções no quadro da defesa, da administração interna), que remontam às funções essenciais do Estado do período do liberalismo político. Contudo, em relação ao que é a atividade normal de uma empresa pública que, em todo o caso, é uma atividade de natureza económica, aí, pelo contrário, as razões da lógica do funcionamento e de mercado apontam para a necessidade de ser uma empresa de natureza privada. 

    Estas entidades têm uma natureza especial, visto que são entidades públicas, ou seja, estamos a falar de empresas de capitais públicos, sendo geridas de forma a satisfazer as necessidades coletivas, por isso reguladas pelo Estado e pelas instituições criadoras. São criadas para a realização de operativos de raiz público, não obstante a sua organização e funcionamento ocorre de acordo com regras de direito privado. As EP são entidades públicas, mas como produzem para o mercado atuam sob o direito privado, as empresas públicas também se organizam pelo direito privado, ou seja, são privadas no quadro da atuação e da organização. 

    Há um conjunto de outras empresas que integram o chamado Setor Empresarial do Estado e que já não se podem considerar como entidades da administração indireta, porque são entidades da administração pública sob forma privada, porque o Estado não tem a totalidade do capital: são sociedades de capitais públicos sem que o Estado tenha um poder que corresponda à respetiva intervenção no quadro do mercado, e estas entidades ainda que diferentes das outras embora se enquadrem no quadro do exercício da função administrativa já não têm uma gestão predominantemente pública, logo vão procurar conciliar os interesses públicos com privados. Uma questão que era muito discutida antigamente era se as empresas públicas deviam ter lucro. 

    Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, este pensamento não tem lógica, pois elas têm natureza económica, existem efetivamente para prosseguir interesses que são públicos, mas precisamente para que esses interesses sejam bem prosseguidos é necessário haver lucro. Caso não haja lucro elas acabam por ser extintas ou integralmente privatizadas e o Estado deixa de realizar aquelas tarefas que são essenciais. Logo, os encarregados da gestão das empresas públicas, que têm natureza privada, como atuam no mercado exercendo funções de interesse público, esses gestores devem garantir que haja lucro nessa atividade sob pena dessas tarefas de interesse público deixarem de ser realizadas. 

    Atendendo ao objetivo de longo prazo que a futura reforma procurará refletir, associada a uma capacidade de flexibilidade e reação aos novos desafios e realidades que se imponham à Administração Pública Portuguesa, parece ao Governo que este modelo promove uma atuação relativamente condicionada que, com alguma probabilidade, limitará a tomada de decisão que se pretende autónoma, incondicionada e imparcial.

    Trata-se de uma realidade que tem a ver com a natureza destas situações que decorrem do facto de o Estado ter invocado, para si, funções de intervenção na vida económica e social democrática, no quadro das quais atua como entidade privada, mas realiza tarefas de direito público. Por isso, há um comportamento que faz com que as empresas públicas sejam simultaneamente públicas e privadas, logo, uma realidade caleidoscópica do ponto de vista de como é concebida: por um lado, as empresas públicas estão sujeitas à gestão pública, cujos objetivos prosseguidos podem ser controlados, de acordo com os princípios do CPA. 

    Estão submetidas, por exemplo, à fiscalização do Tribunal de Contas, mas, simultaneamente, têm uma margem de atuação de acordo com as regras de mercado e com o direito privado que lhes dá uma quase total autonomia no exercício das funções de natureza económica (não deixando, porém, de ser públicas). 

    Relativamente à proposta do modelo empresarial, inserida na modalidade de administração estadual indireta, prosseguindo, assim, fins estaduais e estando sujeito aos poderes de superintendência e de tutela por parte do Governo, nos mesmos termos que os institutos públicos, particularmente característico por ter um escopo lucrativo.

    Quanto às vantagens do modelo empresarial, a autonomia orçamental implicaria uma lógica de redução da dependência da Autoridade de Impacto ambiental e o Estado, aliada a uma transparência orçamental adequada, na medida em que o art.16º do DL 133/2013 conjuntamente com o Decreto-Lei nº 148/2003 de 11 de julho alterado pelos Decretos-Leis nº 120/2005, de 26 de julho, e nº 69/2007 de 26 de março abordam a transparência financeira das empresas públicas. Devendo a sua contabilidade ser organizada nos termos legais, e de forma a que permita identificar claramente todos os fluxos financeiros, operacionais e económicos existentes entre elas e as entidades públicas titulares do respetivo capital social ou estatuário, o modelo empresarial tenta manter-se transparente, não permitindo a realização de quaisquer despesas não documentadas. 

    Demais, a Administração Pública Portuguesa caracteriza-se pela sua ampla burocratização, carecendo de uma modernização imediata. O modelo empresarial pode solucionar este problema, mediante a modernização e agilização do próprio sistema, tendo em vista o princípio da desburocratização que determina que a Administração Pública deve aproximar os seus serviços da população, agindo de forma desburocratizada, para facilitar a rapidez, económica e eficiência da sua ação (v.g. art.5º/1, CPA). 

    Em suma, cabe questionar: será impreterível o facto de a atividade das empresas públicas estar condicionada ao objetivo de obtenção de receita desvirtua, no todo - ou em parte – a satisfação da tarefa de realização de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) que, na verdade, quer por força da legislação interna, quer da europeia, se pretende que a tomada de decisão por parte da Autoridade de Impacto Ambiental” seja autónoma e imparcial? Será incontornável o argumento de que as empresas públicas se focam nessa procura necessária de lucro, olvidando os fins a que se propõem (ou podem propor), conduzindo à degradação de um serviço que se procura mais eficiente e adequado?

    Em rigor, há motivos políticos e económicos que levam a transformar uma atividade privada em atividade pública, e há motivos administrativos e financeiros que levam a converter uma atividade pública burocrática em atividade pública empresarial.


4. Atribuição da tarefa de AIA a uma associação pública, integrante da Administração Autónoma.

    

    O princípio democrático concilia-se com as entidades da administração autónoma corporativa (v.g. associação públicas profissionais), que se baseiam numa legitimação democrática autónoma. Trata-se de um contexto “micro-democrático”, no interior de uma entidade que congrega os particulares diretamente interessados na gestão de determinados assuntos de interesse público (v.g. regulação de uma profissão ou uso de um bem público), que são dirigidas precisamente por estes interessados (autoadministração – “administração pelos administrados”). Relembra o Professor Freitas do Amaral, a alínea a) do art.199º da CRP estabelece que compete ao Governo, no exercício das suas funções administrativas, “dirigir os serviços e a atividade direta do Estado, civil ou militar, superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma.” Por sua vez, o art.267º/3 da CRP, ao determina que a “a lei pode criar entidades administrativas independentes” – para uma quarta modalidade de administração estadual (administração independente), assim designada pela ausência de uma relação de subordinação relativamente ao Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública (art.198º). 

    Segundo o Professor, a administração autónoma é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas atividades, sem sujeição ou hierarquia ou a superintendência do Governo. Em primeiro lugar, a AU prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem, ao contrário da administração indireta que prossegue atribuições do Estado, ou seja, prossegue fins alheios. Em segundo lugar, a administração autónoma dirige-se a si mesma, apresentando-se como um fenómeno de auto- administração: são os seus próprios órgãos que definem com independência a orientação das suas atividades, sem estarem sujeitos a ordens ou instruções, nem a diretivas ou orientações do Governo. 

    Então, a administração direta do Estado, central ou periférica, depende sempre hierarquicamente do Governo; a administração estadual indireta está sujeita em princípio à superintendência do Governo, sendo de qualquer modo o Governo que, com maior ou menor intensidade, traça a orientação e define os objetivos fundamentais a prosseguir. Diferentemente, na administração autónoma, uma vez que esta se administra a si própria e não deve obediência a ordens ou instruções do Governo, nem tão-pouco a quaisquer diretivas ou orientações dele demandadas. O único pode que constitucionalmente o Governo pode exercer sobre a administração autónoma é o poder de tutela (alínea d) do art.199º, art.229º/4 e art.242º da CRP), tratando-se de um mero poder de fiscalização ou controlo que não permite dirigir nem orientar as entidades a ele submetidas. ´ 

    Ora, é na Administração autónoma que encontramos as associações públicas. Estas são de tipo associativo, em que há um substrato humano (por oposição à administração indireta em que as entidades são de substratos materiais, organizações de meios, serviços e património). Algumas associações há que a lei cria ou reconhece com o objetivo de assegurar a prossecução de certos interesses coletivos, chegando mesmo a atribuir-lhes para o efeito um conjunto de poderes públicos. Têm ao mesmo tempo natureza associativa e de pessoas coletivas públicas, pelo que não podem deixar de ser qualificadas como associações públicas. Definem-se como sendo as pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam com esse fim (por oposição a institutos públicos e empresas públicas, que são pessoas coletivas públicas de tipo institucional, ao passo que as associações públicas correspondem ao tipo associativo).

     Por outro lado, os institutos públicos e as empresas existem para prosseguir interesses públicos do Estado, integrando-se por isso na administração estadual indireta. Ao passo que as associações públicas existem para prosseguir interesses públicos próprios das pessoas que constituem, pelo que, por essas razão, fazem parte da administração autónoma. Têm interesses e fins próprios e, por isso, dirigem, orientam e gerem os seus destinos, bens, pessoal e finanças, sem estarem sujeitos a diretivas ou a orientações exteriores.

    Com efeito, as associações públicas, ainda quando desenvolvem uma atividade económica relevante, nunca têm por fim último a obtenção de lucro, enquanto as empresas públicas, por definição, procuram a obtenção de lucro. Têm vindo a assumir uma importância crescente no seio da Administração Pública, assistindo-se mesmo a um movimento de proliferação destas entidades. As razões prendem-se, por um lado, com uma tendência neocorporativa que se tem desenvolvido no âmbito das democracias ocidentais, na qual os mecanismos de concertação social e de representação de interesses setoriais ganham um peso crescente. 

    A sua importância renovada liga-se à reforma administrativa e à necessidade de flexibilizar e diversificar as formas de organização e os meios de atuação da AP, tornando-a menos burocratizada e mais participada. De certa forma, é uma manifestação do fenómeno da diferenciação, ou seja, “da tendência para fazer corresponder a cada interesse coletivo uma organização especificamente destinada a prossegui-lo. A crescente complexidade da AP moderna que, “para obter eficiência e racionalidade processual, num contexto permeável a ideia de participação e promoção de interesses de grupos, se serve de diferentes formas de colaboração dos administrados.”

    Ciente destas tendências, mas também do princípio da singularidade dos fins, que deve caracterizar cada uma das associações públicas (art.267º/4), vem dispor que o legislador parlamentar (art.165º/1/i) só pode constituir associações públicas “para a satisfação de necessidades específicas”.

    Na mesma linha de raciocínio, o Professor Vasco Pereira da Silva reforça que, na administração autónoma, para além de uma pessoa coletiva de autonomia administrativa e financeira, encontramos uma ideia de autorregulação. Estas entidades são autoadministradas e prosseguem fins próprios de forma autónoma. Esta é uma característica que acresce às outras modalidades de administração. Já não são fins do Estado ou de outras entidades públicas, são fins de uma determinada pessoa coletiva e que é autoadministrada.

    Assim, o estigma do poder e dos traumas de infância difícil do Direito Administrativo, que remonta aos poderes de autoridade de uma Administração Agressiva, numa relação de desequilíbrio face aos “administrados”, não pode esquecer que, no fundo, administrar é gerir/dispor/orientar (com diferentes graus de intervenção), algo que pode ser feito por entidades de variada natureza. Aquilo que distingue a gestão pública da gestão privada é apenas os fins. Estes, remetem para uma lógica de satisfação de necessidades coletivas, por contraste com os fins de um determinado conjunto de agentes, que se traduz nas mais variadas possibilidades.

    Como explica o Professor Vital Moreira, a associação pública é “aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas atividades, sem sujeição hierarquia ou superintendência do Governo”, contrastando com o modelo de administração indireta, na medida em que são prosseguidos fins alheios ao Estado. Então, relativamente à proposta de modelo de associação pública, integrante na modalidade de Administração Autónoma, numa linha de avaliação do modelo de associação pública, destaca-se o seu substrato associativo, cujo elemento pessoal legitima o facto de os seus órgãos serem eleitos (“micro- democracia”). De resto, é uma importante característica da Administração Estadual Autónoma. 

    A Administração Autónoma apresenta um fenómeno de autoadministração, de modo que são os próprios órgãos que definem com independência a orientação da sua atividade, sem sujeição ou orientação do Governo, ao contrário da Administração Indireta que está sujeita à superintendência. Assim, no paradigma da Administração Autónoma, não se considera que exista o dever de obediência às ordens e instruções emanadas pelo Governo. Em todo o caso, recuperando uma lógica de força gravítica em função do distanciamento face à Administração Central, a CRP prevê que o Governo possa exercer poderes de tutela sobre a Administração Autónoma (art.199º/d, art.229º/4 e art.242º).

    Em rigor, trata-se de um poder de tutela atenuado, nos termos do art.202º/d, uma vez que os fins prosseguidos não são fins estaduais. Assim, o respetivo poder de tutela consiste numa mera relação de fiscalização do cumprimento da legalidade dos atos e de uma avaliação do mérito. Na Administração Autónoma, sói fazer a distinção entre a Administração Autónoma territorial, que inclui as autarquias locais, e a Administração Autónoma não territorial, onde se inserem, por sua vez, as associações públicas.

    Sendo o seu principal traço o substrato de natureza associativa, uma vez que se alicerçam num agrupamento de indivíduos e/ou pessoas coletivas com um objetivo comum (art.46º)., além de um fim comum, as associações públicas possuem meios próprios, aptos a prosseguirem esse fim comum. A associações gerem esses meios, (humanos, patrimoniais ou financeiros) e gerem-nos da forma que melhor considerarem, o que se traduz num elevado grau de independência face à Administração Central.

     As associações públicas têm um estatuto constitucional nos seguintes termos: a legislação que lhes respeita é matéria da reserva relativa da Assembleia da República (artigo 168º/1/u CRP); a existência das associações públicas deve contribuir para uma nova estruturação da Administração Pública (artigo 267º/1 CRP); As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas (artigo 267º/3 CRP); As associações públicas não podem exercer funções próprias das associações sindicais (artigo 267º/3 CRP); A organização interna das associações públicas deverá basear-se no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos (artigo 267º/3 CRP).

    O fenómeno de autodeterminação que se evidencia nas associações públicas corresponde, hoje, a uma realidade que se impôs aos diferentes Estados, numa lógica em que o Estado atribui funções de gestão a determinadas atividades profissionais. Trata-se de um sistema colaborativo, em que o Estado procura que estas associações públicas participem no exercício da função administrativa.

    A realidade portuguesa a esse nível ainda está numa situação de transição, porque o anterior regime de natureza autoritária afirmava-se corporativo. Não era um Estado corporativo, à maneira do sistema italiano, mas dizia que o era, e tinha uma estrutura organizada, de natureza corporativa e as ordens profissionais correspondiam à manifestação dessa realidade corporativa. Há resquícios, no atual regime, que vêm desses tempos passados.

    Uma questão crónica com que todas as gerações de recém-licenciados se preocupam é a questão da inscrição obrigatória, que vem desses tempos. É verdade que o que aqui está em causa não é uma realidade sindical, uma vez que não é a defesa dos interesses económicos e financeiros que está em causa, mas sim a profissão e o modo de exercício da profissão.

    Também por causa disto se pode justificar que não haja uma lógica de adesão voluntária, como se verifica no âmbito dos sindicatos. Estas eleições antecipadas fizeram com que o problema esteja em letargia durante alguns tempos, alguns meses: é o problema de haver algum controle e alguma dependência das atividades das ordens profissionais.

    Se são autogovernadas, elas devem ter autonomia e independência. Deve haver um órgão autónomo, composto pelos próprios membros, resultantes da votação, mas que não seja apenas o espelho dos dirigentes, daqueles que ganharam as últimas eleições.

    Há que procurar novos equilíbrios, porque se estas associações públicas podem ser uma realidade muito moderna, o âmbito do Estado pós-social e independente, elas também podem ter alguns toques de arcaísmo, como acontece em parte em Portugal, por causa dessa tradição que vem do regime autoritário.

    Geram-se alguns conflitos entre as associações públicas (entidades da Administração) e os outros órgãos administrativos, designadamente o Governo, enquadrado no exercício da função.

    Em suma, a presente manifestação de “individualização do interesse público”, presente na natureza e estrutura organizativa de uma associação pública, parece inibir os fins pretendidos, nomeadamente uma reforma dos serviços de Avaliação do Impacto Ambiental pautada pela autonomia e pela imparcialidade (falhando, em particular, este segundo requisito). No entender do Governo, considera-se que a aplicação do modelo proposto não se revelaria benéfica, com base nas características desvantajosas enunciadas.


6. Modelo de funcionamento mediante a colaboração com os privados, nomeadamente através da concessão da tarefa de AIA, ou através da criação de parcerias público-privadas.


    Esta hipótese proposta considera dever passar-se a tarefa de AIA para um modelo de colaboração com os privados através de uma concessão ou de uma parceria público-privada (as comummente designadas PPP´s), ambas incluídas na Administração sob forma privada. Referimo-nos, por isso, a sociedades de interesse coletivo (na senda do Professor Freitas do Amaral), ou seja a entidades privadas, com fins lucrativos que exercem poderes públicos prosseguindo fins coletivos e que estão sujeitas a um regime jurídico específico. Entre as várias hipóteses de sociedades deste tipo, a solução propugnada é a de entregar a tarefa de AIA a uma empresa concessionária ou a uma empresa participada. Cabe distingui-las, embora para este efeito as suas desvantagens sejam comuns a ambos os modelos.


Empresas concessionárias

    As empresas concessionárias, criadas através de concessões administrativas a que está subjacente um contrato de concessão (artigo 407.º/2, Código dos Contratos Públicos e artigo 4.º, n.º2, DL n.º 111/2012, de 23 de Maio) celebrado entre o Estado e o privado em causa, atribui ao concessionário por certo período de tempo a responsabilidade da gestão de um determinado serviço púbico, transferindo-se para a sua esfera o essencial do poder decisório sobre essa atividade e também o risco que lhe está associado. 

O risco por realizar essa atividade cabe ( DL n.º 142-A/2001 de 24 de abril) integral e exclusivamente ao privado, não podendo ser o Estado chamado a responder por perdas de investimento ou situações de insolvência, salvo disposição contratual em contrário. Assim, nos termos do artigo 413, Código dos Contratos Públicos, o concessionário é efetivamente responsável isoladamente pela realização da tarefa que o estado em si “delega”.


Empresas participadas

    As empresas participadas, criadas também por contrato, são uma outra forma de o privado se comprometer de forma duradoura a assegurar o desenvolvimento de uma tarefa pública tendente à satisfação de necessidades coletivas, mas contrariamente às empresas concessionárias, esta tarefa é feita a par de um parceiro público. Assim, nos termos do artigo 2.º/1, DL n.º 111/2012, de 23 de Maio, a responsabilidade e o risco associado à tarefa em causa cabem assim, tanto ao privado como ao Estado (ou outra entidade pública), não sendo à partida o privado integralmente responsável pela atividade que lhe é confiada.


Diferenças fundamentais

    A principal diferença entre os dois tipos de sociedades de interesse coletivo é então o fator: responsabilidade/risco na realização da tarefa em causa. Enquanto que numa colaboração com os privados através da concessão da tarefa de AIA, a responsabilidade e o risco de realização da atividade caberiam (à partida, dependendo depois do que contratualmente se estabelece-se) ao privado, já no caso de uma parceria público-privada, a responsabilidade e o risco caberiam (à partida) tanto ao privado como ao Estado.

    Também o poder decisório, no caso das empresas concessionárias cabe inteiramente ao privado e apenas em parte o caso das empresas participadas – como seria, aliás, de esperar: estranho seria se o poder de decisão não andasse a “par e passo” com a responsabilidade e os riscos inerentes à atividade sobre a qual se decide ou, vice-versa, que se pudesse ser responsabilizado e arcar com os riscos de uma atividade sobre a qual pouco ou nada se decide.

    Concluindo, no caso das empresas participadas existe à partida uma partilha de poder decisório e lucro, responsabilidade e risco da atividade, contrariamente do que se verifica no caso das empresas concessionárias.


    Não obstante a corrente que inclui este tipo de empresas no setor público, seguimos (à semelhança da teoria clássica sobre a natureza destas empresas e do entendimento do Professor Freitas do Amaral nesta matéria) a posição de que estas são parte integrante do setor privado, nos termos do artigo 82, n.ºs 2 e 3, onde fica constitucionalmente expresso as definições de setor público e privado que cabe transcrever:

- 2. O sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao

Estado ou a outras entidades públicas.

- 3. O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou colectivas privadas, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (artigo 82, nºs 2 e 3, CRP)


    Como já se disse, independente do modelo adoptado nesta hipótese: concessão da tarefa de AIA ou colaboração com os privados na sua execução, as desvantagens são comuns.

    A primeira desvantagem decorre do facto de o modelo de colaboração com os privados levar a uma necessária e inevitável fusão dos interesses públicos e privados. É inevitável que estas sociedades com fins lucrativos acabem por pôr, expressa ou tacitamente, os fins do estado (o interesse coletivo) se não de parte pelo menos não num nível de prioridade intocável. De facto, é inegável que a não dar lucro, esta empresa não exstiria ou não de forma a poder satisfazer corretamente as necessidades da coletividade, daí que seja fundamental que a empresa seja economicamente viável, no entanto a obtenção de lucro por si (que é, à partida, o fim último de um privado) acaba por concorrer com o interesse coletivo, podendo afetar a independência e imparcialidade necessárias na realização da AIA. 

    Por outro lado, este modelo não consegue garantir uma total autonomia para a entidade (empresa) que realizar a AIA pois que pesembora se inclua no setor da Administração sob forma privada não estando sujeita a vínculos de subordinação, não por isso deixa de estar sujeita a um efetivo controlo do Estado, contratualmente estabelecido. Como já se disse, tanto as concessões como as parcerias público- privadas se constituem por meio de contrato no qual se estabelecem os poderes do governo face à atividade em causa, tornando os privados órgãos indiretos da administração, encarregados de uma atividade que está à partida reservada por lei ao Governo (como órgão máximo da Administração Pública, 199.º, CRP).

    Conclui-se assim que, este modelo de colaboração com os privados não seria a melhor escolha pelo facto de não ser garante de uma total independência e imparcialidade na realização da AIA por poderem colidir interesses públicos e privados (e não sair os primeiros vencedores…) e pelo facto de estas empresas não estarem sujeitas a um controlo efetivo por parte do Governo, que se traduz a nível contratual.


7.  Privatização da tarefa de AIA, levada a cabo exclusivamente por entidades privadas, sob a
coordenação e fiscalização de uma “agência reguladora”.


    Na presente hipótese, parece-nos bastante descabido a ideia de uma total privatização da tarefa de Avaliação de Impacto Ambiental apenas sob a fiscalização de uma agência reguladora. 

    Apesar de ser razoavelmente crível o argumento de que as empresas privadas podem trazer melhorias em termos de eficiência, economicidade e eficácia do Estado, há inúmeras desvantagens em ter em conta (como apresentaremos de seguida). Ou seja, pesando as coisas numa balança, as desvantagens apresentadas de seguida pesarão sempre mais do que a vantagem em cima referida.

    No presente caso a Avaliação de Impacto Ambiental é uma tarefa que tem como objetivo defender o Direito ao Ambiente - direito fundamental previsto no artigo 66º e 9º,e) da Constituição da República Portuguesa. Este determina que os cidadãos têm em ter um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.

Ora a persecução e efetivação do referido direito far-se-á, sobretudo, através da Avaliação de Impacto Ambiental. Deste modo esta, como todas as ações da Administração, deve ter como finalidade a prossecução do interesse público, art. 266/1 da CRP.

    Em todo o caso, importa definir o que é uma empresa privada. Uma empresa privada é uma entidade económica controlada e detida por particulares pelo que terá quase sempre como objetivo final o lucro e a arrecadação de receitas. Para tal, será inevitável utilizar a fórmula clássica para obter lucros: a de cortar nas despesas e de tentar aumentar as receitas.

    Assim sendo, numa atividade que será apenas lucrativa na utilização dos poderes públicos de autoridade como a liquidação de taxas que lhe sejam devidas e a prevenção e sanção de infrações parece-me correto afirmar que a total privatização desta tarefa pode levar a manifestos excessos de controlo em beneficio próprio. Mas não é bem aí que se manifesta o verdadeira potencial problema: o controlo demasiado suave com ordem a beneficiar outros com quem esses privados possam ter relações económicas ilícitas, nomeadamente através de processos de corrupção ativa e passiva afigura-se como o maior perigo desta total privatização da AIA.

    Ou seja, estas empresas privadas teriam como objeto e finalidade prossecução do lucro privado e não do interesse público, o que se demonstra evidentemente contrário ao que é necessário numa tarefa como a AIA, tarefa essa que exige principalmente dois requisitos: imparcialidade e autonomia.

    Os mesmos problemas de possível corrupção e conflito de interesses se manteriam no caso das empresas privadas em questão serem ONG’s. Apesar de estas serem Organizações Não-Governamentais que, pela sua própria natureza caridosa e não lucrativa, não terem como objetivo o lucro, são sempre entidades privadas e, portanto, financiadas por privados. Ora, o facto destas sobreviverem apenas de doações pode ter dois grandes problemas: (i) a possível instabilidade que lhes pode estar associada em termos financeiros e (ii) esta dependência de terceiros pode levar a que a ONG seja chantageada de forma a favorecer um dos seus principais investidores em troca de uma contraprestação de avaliação positiva na AIA. Para além de tudo isto, as ONG’s estão concebidas mais para funções colaboradoras com o governo e funções de caridade, não para funções de garantia de direitos fundamentais dos cidadãos e de tarefas de caracter tão técnico e preciso como a AIA.


    Ora, pelos argumentos apresentados em cima parece-nos que a execução levada a cabo por empresas privadas não preenchesse algum destes requisitos, muito pelo contrário. Por outro lado, num processo de tamanha importância como a presente AIA, é fulcral promover a transparência no processo.

    Apesar de no presente caso a atividade privada ser controlada e fiscalizada por uma Entidade Reguladora, ao ser totalmente entregue a privados a realização desta tarefa não teria os mesmos tipos de controlo e deveres de informação que outras opções.

    Ou seja, estas entidades privadas não teriam que prestar contas nem à Assembleia da República nem ao Governo porque a Agência Reguladora enquadra-se na administração autónoma do Estado, não podendo o governo influenciá-la por outro meio que não a tutela de legalidade, que me parece manifestamente insuficiente.

    Desde modo, há o real risco de se as entidades privadas cometessem abusos e excessos e de não estarem sujeitas a nenhum tipo de pressão consequente. Ora, a nosso ver, tal vai precisamente no sentido contrário de promover a transparência do processo porque impede, por exemplo, a divulgação de informações relevantes sobre as suas atividades - o desempenho financeiro, a estrutura de governança, práticas éticas, entre outras - e o seu controlo posterior da forma rigorosa que esta devia ser feita.

    Assim, em modo de conclusão, esta opção não se afigura viável por duas principais razões. Em primeiro lugar, sendo estas empresas privadas que têm como principal finalidade a obtenção de lucro será perigoso pôr-lhes na mão uma tarefa tão importante para a prossecução dos interesses públicos como é a AIA porque estas poderão não prosseguir o interesse publico mas interesses próprios. Por outro lado, a falta ou insuficiência de transparência e de controlo no processo pode levar a que, caso haja abusos, cenários de corrupção ou erros gritantes, estes não sejam devidamente controlados e regulados, o que é bastante perigoso e de evitar.


5. Criação de uma entidade administrativa independentes, exclusivamente dedicada à tarefa de AIA.


    Esta é a opção por nós escolhida. Efetivamente, pelos motivos que apresentaremos de seguida apresentou-se-nos como a melhor opção para a realização de AIA uma vez que, a nosso ver, é a que melhor salvaguarda e protege os interesses dos cidadãos e o seu direito ao ambiente, e a que melhor garante a autonomia e independência na realização de AIA.

    Nas alternativas à legitimação democrática popular, temos a “legitimação pelo procedimento”, com abertura à participação efetiva e influente dos interessados (“administração participada e colaborativa”), através de decisões que imponham pela sua racionalidade e credibilidade, possam ser justificadas não apenas formalmente, com uma atitude proativa de transparência. Pode tratar-se de modelos de legitimação democrática alternativos, que procurem compensar a falta de legitimação democrática popular, num processo de legitimação das formas de “Administração Pública independente”, que se desenvolveram sobretudo nos últimos anos do século XX (órgãos e entidades administrativas independentes, como o caso de entidades reguladoras da atividade económica – LQER). Nos termos da LQER, estas entidades “são independentes no exercício das suas funções”.

    Ora, a garantia legal da independência em face do Governo coloca estas entidades fora do circuito democrático clássico, de modo que o referencial legitimador terá de ser compensado e de se fundar em fatores como o procedimento ou a legitimação material. As entidades administrativas independentes são autorizadas pela CRP (art.267º/3), criada por lei, fazendo parte da administração pública e, por isso, estão submetidas aos princípios da subordinação à lei e da submissão ao controlo judicial). Além disso, regra geral, os titulares dos órgãos dirigentes dessas entidades são eleitos pela AR ou nomeados pelo Governo). O Acórdão do Tribunal de Justiça, Comissão e Autoridade Europeia para a Proteção de Dados c. Alemanha, de 09/03/2010, P. C-518/07, prevê que o princípio democrático “não obsta à existência de autoridades públicas fora do âmbito da administração clássica e mais ou menos independentes do governo (…) e essas autoridades estão obrigadas ao cumprimento da lei, sob o controlo do órgãos jurisdicionais.”. Esquemas e explicações de legitimação alternativos à legitimação democrática popular dos responsáveis e decisores públicos revelam-se indispensáveis noutros setores da AP: é o caso, por exemplo, dos professores responsáveis pelos exames de avaliação dos alunos nas escolas ou dos membros de júris académicos, cuja legitimação para o exercício de poderes públicos assenta em fatores técnico-jurídicos ou na específica preparação para o desempenho de uma função que integra, por inerência, o exercício daqueles poderes.

    Importa então perceber e explicar os vários princípios importantes para enquadrar e compreender as Entidades Administrativas Independentes, que serão apresentados de seguida.


A - Imparcialidade, ética pública e anticorrupção

    A primeira exigência da imparcialidade reside em determinar que a Administração prossiga o interesse público de uma formal isenta, sem favorecimentos pessoais ou discriminações em benefício de interesses particulares, parciais ou de grupo. Tem uma incidência específica no plano organizador, na medida em que o cumprimento do dever jurídico que dele decorre “em prossecução do interesse público de forma correta, isenta e imparcial”, que implica a adoção de “soluções organizativas indispensáveis à preservações da isenção administrativa e à confiança nessa isenção (art.9º CPA). Os instrumentos organizadores de garantia de imparcialidade passam pela definição de situações de inelegibilidade, incompatibilidade e impedimento de titulares de cargos e órgãos administrativos. Trata-se, em geral, de fenómenos de potencial conflito de interesses, de contaminação ilegítima de decisões da Administração Pública (nos termos da Recomendação do Conselho de Corrupção de 7 de Novembro de 2012, “urge a promoção de uma cultura organizacional na qual impere forte intolerância relativamente às situações de conflito de interesses”.

    Igualmente relevante como mecanismo ao serviço da imparcialidade administrativa, é a garantia da independência ou da autonomia decisória dos órgãos da Administração com funções de controlo, de inspeção e de auditoria dos serviços administrativos (em causa está a eliminação de relações de hierarquia ou de orientação quanto ao exercício específico destas funções).


B - Transparência administrativa

    Não existe democracia administrativa sem acesso ao público à informação sobre o funcionamento do Estado, pelo que a boa governação dos sistemas administrativos impõe a garantia de máxima acessibilidade à informação detida pela Administração Pública. O princípio da transparência não se encontra diretamente na CRP, nem no CPA. Surge, porém, como princípio da contratação pública, no art.1º- A/1, do CCP, em linha com as diretivas europeias que o diploma transpõe. Refira-se, a propósito do direito à informação administrativa, enquanto direito subjetivo público no art.268º/2 CRP, em articulação com a consagração constitucional do direito à informação procedimental (art.268º/1) e art.82º a art.85º do CPA. Revela-se como um importante instrumento de fomento da participação dos cidadãos na vida administrativa, participativa e de controlo, pautados pelo valor da cidadania administrativa. Por outro lado, toda a informação pública relevante para garantir a transparência da atividade administrativa, designadamente a relacionada com o funcionamento e controlo da atividade pública, também deve ser divulgada ativamente, de forma periódica e atualizada, pelos respetivos órgãos e entidades (art.10º e art.11º sobre a divulgação ativa de informação relativa ao ambiente).


C - Participação dos cidadãos na Administração Pública

    Remete, uma vez mais, para o conceito de cidadania administrativa. A abertura à participação dos cidadãos continua naturalmente a passar pelas formas clássicas de participação individual dos interessados nos procedimentos administrativos (através do “direito de audiência do art.121º do CPA), bem como por mecanismos, mais abrangentes, de participação cívica, mediante a previsão de fases de consulta pública (art.101º) ou de discussão pública nos procedimentos de aprovação de planos de gestão do território.

    O particular não é o mero súbdito do Ancien Régime, não é o cidadão socialmente descomprometido do Estado social, nem o simples utente dos serviços públicos do Estado social, antes um ator estimulado a contribuir para o governo e o desenvolvimento da coletividade. Esta forma de participação dos cidadãos na Administração Pública encontra-se reconhecida na CRP, nomeadamente no art.267º/1, que estabelece que “a Administração Pública será estruturada de modo (…) a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio das associações públicas , organizações de moradores e outras formas de representação democrática”

    Quanto à criação de associações públicas, trata-se de associações que congregam os particulares interessados nos assuntos que estão incumbidas de gerir ou administrar: “associações públicas de interessados” – nos termos da CRO, um instrumento que assegura a participação dos interessados na gestão efetiva da Administração Pública. Não obstante, talvez seja mais rigoroso considerar a sua criação como um processo de descentralização democrática da AP, nos termos do art.6º/1, do que uma forma de permitir a participação dos cidadãos na AP.


D - Pluralismo do sistema administrativo

    O sistema administrativo português é, na verdade, um sistema de pluralismo administrativo. Não corresponde a uma entidade ou instituição, tendo, antes, a função de indicar um universo de sujeitos ou de organizações. Em sentido radical, a ideia de “unidade da Administração” representa a exigência de um sistema monolítico, burocrático, centralizado, organizado segundo um princípio de unidade de direção e de hierarquia. Sem prejuízo da expressa referência constitucional à unidade de ação da Administração (art.267º/2), e sem desconsiderar uma certa primazia e centralidade do Governo (art.182º), são visíveis os fatores de diversidade e multiplicidade institucional, que resultam de nele se integrar uma extensa panóplia de entidades jurídica autónomas entre si, em função da efetiva independência dentro do sistema administrativo face à administração do Estado.

    Em geral, o pluralismo do sistema administrativo é o efeito da implementação de uma lógica de distanciamento de muitos setores da Administração Pública em relação ao Governo (Administração central) e à direção e controlo governamentais. Essa tendência resulta de vários fatores: instituição e reconhecimento de entidades administrativas dotadas de legitimidade democrática própria (“pluralismo democrático”); exigência de independência e de isenção de organismos que se dedicam a determinadas função públicas (“pluralismo funcional”); incremento de eficiência da gestão administrativa (“pluralismo técnico”).

    Os fenómenos organizativos de administração autónoma e de administração partilhada com os interessados concretizam uma pluralismo administrativo democrático no sistema português e traduzem-se numa participação direta e efetiva de cidadãos interessados na condução de funções administrativas. Depois, por vezes, o pluralismo é imposto por razões funcionais, decorrente da natureza e das características particulares da missão confiada a um determinado organismo. Desenvolveu-se, em geral, desde os anos 90 do século XX, sobretudo para a regulação da economia e do mercado. Surgiu, então, a designada administração pública independente, com processo de desgovernamentalização de certas parcelas da AP que se deve a fatores muito variados: ocuparem-se com missões que, pela sua própria natureza, exigem a independência em face do Governo e da restante Administração Pública.

    Esta exigência de estruturas administrativas distanciadas do Governo surge, por vezes, imposto pelo direito da União Europeia, como é o caso da regulação bancária, das entidades de regulação de energia e das comunicações eletrónicas, mas também com o controlo de proteção de dados. Neste sentido, a CRP acolhe o princípio de abertura sistémica à administração independente (art.267º/3). 

    No sentido de pluralismo técnico, com um impacto das formas de pluralismo democrático e funcional, há também um pluralismo administrativo de recorte essencialmente prático e baseado em vários esquemas de distanciamento da gestão de setores da administração em relação ao controlo hierárquico governamental (ainda que submetidos a formas de orientação e de supervisão do Governo). A este pluralismo técnico, prático ou de gestão, assinalam-se objetivos de eficiência e de agilização do sistema administrativo, de redução da dependência burocrática e do aumento de qualidade de decisão pública. As entidades que dão corpo ao modelo de pluralismo em análise integram a administração indireta do Estado (institutos públicos e entidades administrativas privada, designadamente em formato empresarial).

    Trata-se, neste caso, de um pluralismo com um carácter essencialmente formal, porquanto a criação de entidades da administração indireta do Estado atenua a direção e o controlo governamental, mas o Governo, além de assumir poderes relevantes, mantém.se como o responsável último pelo funcionamento dessas entidades.

    Parece de reconduzir a este pluralismo técnico ou de gestão muitos dos casos de concessão de funções administrativas a entidades particulares. Com efeito, a delegação de responsabilidades executivas serve, em regra, o objetivo de aproveitar o “potencial administrativo” dos particulares (o que se verifica quando os particulares estão em melhor posição do que o Estado para executar tarefas estaduais: possuem os meios financeiros, técnicos, o “saber-fazer” e a eficácia de que aquele carece e não dispõe).

   Definição entidade administrativa independente: as entidades administrativas independentes são autoridades públicas criadas pela Constituição (art.267º/3) ou pela lei, às quais se comete o exercício da função administrativa, sem que se encontrem sujeitas a vínculos de subordinação a qualquer órgão público ou interesse corporativo, gozando os titulares dos órgãos de direção entidades de especiais garantias em termos de irresponsabilidade, inamovibilidade e de ausência de vínculos de sujeição institucional, de forma a poderem exercer sem dependências as suas competências.

    São características dominantes das entidades administrativas independentes, como administração “separada” ou quarto setor da Administração Pública: natureza pública e desenvolvimento de atividades públicas, predominantemente administrativas; ausência de sujeição a vínculos de subordinação política, de hierarquia ou de superintendência relativamente a outros órgãos públicos nacionais (podendo, ainda assim, as entidades estar sujeitas a uma tutela de legalidade); existência de garantias de inamovibilidade e irresponsabilidade para os titulares de órgãos de direção e severo regime de incompatibilidades; designação dos titulares, por regra, através de processos especiais, nos quais se garanta um assentimento alargado ou a intervenção de diversos órgãos; autonomia administrativa e financeira; responsabilidade informativa ante órgãos representativos (prestação de contas junto da AR).

    Demais, as normas e os atos administrativos aprovados pelas entidades independentes podem ser impugnados contenciosamente junto da jurisdição administrativa e, no primeiro caso, também junto do Tribunal Constitucional. O estudo da administração central do Estado postula uma análise da individualidade concreta de um certo número de órgãos, serviços e instituições de natureza administrativa que funcionam atualmente em Portugal e que, cada vez mais, são importantes para compreender a Administração estadual no nosso país.

    A este propósito, cabe destacar os órgãos (e entidades) independentes em sentido estrito. Esta independência das estruturas administrativas em questão, de um modo geral, está sempre presente neste domínio da AP, embora por diferentes razões e com diferentes graus de intensidade.     

    A criação de um órgão consultivo no seio da Administração só faz sentido de este, pela sua composição e modo de funcionamento, puder dar um parecer credível e sólido do ponto de vista técnico e científico. Se for um parecer inteiramente político ou motivado por razões partidárias ou ideológicas, ninguém o seguirá. Do mesmo modo, a existência de órgãos de controlo no contexto institucional da AP também implica que os mesmos tenham algum distanciamento relativamente aos restantes órgãos deliberativos ou executivos, ainda que as suas decisões tenham em última análise de ser escrutinadas pelos tribunais. Um órgão de controlo, para ser eficaz, isto é, para as estatísticas produzidas por um serviço administrativo com essa tarefa serem confiáveis e isentas, tem de ser qualitativamente diferente aos outros órgãos e departamentos que servem. Com efeito, os Governos carecem de reforçar a credibilidade das suas decisões perante os administrados e os eleitores em geral, munindo-se de pareceres sólidos, sujeitando-se a órgãos de controlo fortes e submetendo-se, em certos domínios da sua atividade, ao exigente escrutínio de órgãos independentes.

    Quanto aos órgãos independente (incluídos na discussão sobre a Administração independente), qualificados pela CRP e pela lei expressamente como independentes, os quais, juntamente com as chamadas entidades administrativas independentes referidas no art.267º/3 (com as quais não se confundem), compõem a moderna categoria da Administração independente, que para alguns autores deve somar-se à tripartição clássica das administrações direta, indireta e autónoma. Por vezes, para designar o conjunto de órgãos e entidades independentes, utiliza-se a expressão autoridades administrativas independentes.

    Sublinhe-se que a independência destas entidades administrativas não resulta de qualquer imposição constitucional, mas apenas de uma opção de política económica que foi assumida pelo legislador ordinário. A independência é instrumental e não essencial. São enquadradas dentro da Administração Central do Estado, órgãos e serviços independentes e de vocação geral. Admite-se, assim, uma quarta área da Administração Pública: a Administração Independente onde se incluem estas entidades administrativas independentes.

    Como sabemos, a Constituição define o Governo como órgão superior da AP portuguesa como um todo (art.182º). Nessa qualidade, o Governo exerce respetivamente poderes de direção, superintendência e tutela sobre a Administração direta, Administração indireta e Administração Autónoma (art.199º, alínea d).

    Nessa qualidade, também o Governo responde politicamente perante a AR por aquilo que faz ou deixa de fazer no exercício desses poderes de direção, superintendência e tutela (art.190º). O Governo teria, assim, o monopólio absoluto da função administrativa do Estado.

    Porém, a CRP retira da esfera do Governo pequenas núcleos de funções administrativas que, pela especial sensibilidade das matérias em causa e, sobretudo, pela sua estreita ligação à tutela de direitos, liberdades e garantias, requerem um nível de independência política incompatível com a pura e simples integração de quem as prossegue nas estruturas administrativas do Governo. Nuns casos, o CRP prevê diretamente um órgão independente que deve assegurar o desempenho dessa função de proteção de direitos fundamentais, ao passo que, noutros casos, juntamente com a consagração de um certo direito fundamental, contém uma “determinante organizativa” necessária para a sua tutela efetiva, ficando o legislador ordinário com a liberdade para escolher o nome, a composição e as competências do órgão independente que terá a seu cargo essa proteção.

    Os direitos, liberdades e garantias são aqui perspetivados como instrumentos de defesa dos cidadãos contra o poder público e contra o poder administrativo. Para defender esses direitos, foi necessário conceber um conjunto de órgãos que estejam fora dessa máquina, com outro tipo de legitimidade e de independência: órgãos não sujeitos a poderes de direção, superintendência ou tutela do próprio Governo. Especial destaque para a CADA, que se justifica pela defesa do direito à informação dos administrados contra o Governo e contra os seus serviços, em benefício da transparência e contra a regra do “segredo” que durante tanto tempo caracterizou os procedimentos administrativos e a coberto do qual tantos abusos ocorriam.

    O desafio de assegurar o funcionamento democrático do Estado, cumprindo com os ditames do Estado de Direito, é de permanente constante, por oposição a uma máquina administrativa opaca e dominada pela confidencialidade. Se o Governo foi e , potencialmente, continua a ser o principal agressor dos direitos em questão, a salvaguarda desses mesmos direitos não pode ser colocada nas suas mãos, não pode ser competência sua, mas de alguém que pela sua natureza inspire mais confiança aos administrados.

    O art.18º da CRP é claro no sentido de afastar o Governo dos procedimentos de restrição de direitos fundamentais. Nesta linha, a participação da AR na designação dos membros dos referidos órgãos independentes, pelo carácter público e plural do processo de escolha, dá bastantes garantias aos cidadãos. A salvaguarda dos direitos fundamentais começa, assim, na fase do procedimento administrativo, que deve ser pensado com esse objetivo e conduzido por um órgão com elevado grau de independência relativamente ao Governo e aos serviços públicos dele dependentes.

    A título exemplificativo, no âmbito do órgãos consultivos, devemos interrogar-nos se seria ou não bom para a AP que houvesse entre nós um órgão consultivo central de competência genérica). As opiniões dividem-se: há quem pense que o País só teria a lucrar com a existência de um órgão desse género e com a experiência, os conhecimentos técnicos e a ponderação que isso implicaria, e bem assim com o apuramento da qualidade dos textos legais e da ação administrativa que daí resultaria; e há por outro lado quem entenda que isso seria um peso excessivo a acrescer a tantos outros freios que entorpecem e limitam a atuação da AP portuguesa. Segundo o Professor Freitas do Amaral, seria uma excelente forma de recolher a experiência e o saber de quem tivesse atrás de si uma longa e bem sucedida carreira ao serviço do Estado, além da colaboração de reputados professores e investigadores universitários.

    Parece evidente que o Governo e a Administração só teriam a ganhar se nas grandes decisões a seu cargo pudesse ser consultado um órgão prestigiado, competente, capaz de analisar convenientemente os problemas em causa e de ponderar atentamente os interesses em jogo, não apenas numa ótica exclusivamente jurídica, mas uma ótica administrativa global (eventualmente designado “Conselho Superior da Administração Pública”). Ora, não obstante o potencial da presente proposta, a discutir como projeto de maior alcance, devemos ater-nos no principal objetivo de concentração de uma tarefa de AIA. Neste sentido, não frustrando uma perspetiva decerto interessante, um órgão de competência genérica, embora não iniba o pretendido, não parece ser o meio mais idóneo para o efeito. Considerando a heterogeneidade que caracteriza os órgãos administrativos independentes, o regime constitucional e legal destes órgãos deve atender aos seguintes fatores: composição e modo de designação dos titulares, estatuto desses mesmos titulares, órgão constitucional associado, natureza das competências exercidas.

    A independência de um órgão tem de começar pela sua composição e pelo modo de designação dos seus titulares. Quanto mais diversificada for a origem dos membros que compõem um órgão, maiores as possibilidades de este agir efetivamente com independência. Além disso, se um órgão fosse apenas composto por representantes do Governo, por este nomeados, jamais poderia ser considerado como independente deste.

  Uma composição relativamente plural, com membros de várias proveniências assegura imparcialidade e autonomia, visto que se trata sobretudo de “pessoas no pleno exercício dos seus direitos” e sem ligação prévia à Administração, às quais se exige reconhecido mérito e idoneidade ou determinada formação. De resto, mesmo os membros designados pelo Governo não atuam nos órgãos em apreço como representantes do Governo, agindo segundo a sua consciência, sem estarem sujeitos a instruções, diretivas ou orientações deste. 

    De um modo geral, os titulares dos órgãos administrativos independentes são inamovíveis, embora tenham um mandato relativamente curto de quatro ou cinco anos, nalguns casos não renovável. É também comum a previsão de outras garantias de independência, como imunidades e regras de irresponsabilidade civil ou criminal pelas decisões proferidas (o que parece promover uma independência reforçada do agente decisor), não podendo, pelo exercício dessas funções, ser prejudicados nos seus lugares de origem ou nas suas carreiras profissionais. Em contrapartida, os titulares desses órgãos estão sujeitos a regras gerais e especiais em matéria de incompatibilidade e impedimentos e têm especiais deveres, em particular o dever de sigilo.

    Como órgãos independentes, não devem, no exercício das suas competências, obediência a ordens, instruções, diretivas ou orientações de qualquer outra instância de poder. Não obstante, isso não significa que não estejam legalmente associados a um outro órgão, junto do qual não estejam legalmente associados a um outro órgão, junto do qual funcionam para efeitos de apoio administrativo e financeiro que, nalguns casos, pode fiscalizar politicamente a respetiva atividade.

    A estas competências acrescem competências consultivas em sentido amplo, para dar pareceres (não vinculativos), para se pronunciarem por iniciativa própria, para emitir recomendações, para realizar estudos, assim como importantes competências de fiscalização, acompanhando o exercício de atividades públicas e privadas e zelando aí pelo respeito da lei e dos direitos dos cidadãos. Os órgãos independentes podem determinar a realização de auditorias, de ações inspetivas, a abertura e instrução de processos de contraordenação. No exercício destas competências de controlo, os órgãos têm direito à colaboração dos demais órgãos e serviços administrativos, podendo requerer e obter o acesso a documentos e à informação necessária para o exercício das suas competências.

    Note-se, em todo o caso, que entidades administrativas independentes com funções de regulação não se confundem com o que falámos, isto é, órgãos administrativos independentes, por oposição às primeiras que são entidades que não visam a proteção de direitos e liberdades dos cidadãos, mas antes o desempenho de funções de regulação de diversas atividades económicas, desenvolvidas pelos setores privado, público e cooperativo (entidades públicas reguladoras não é o que propomos).

    A Administração Independente é designada como tal, uma vez que, nos dias de hoje, surgiram órgãos autónomos do Estado que não são pessoas coletivas e que regulam uma determinada entidade. Cabe, assim, distinguir as entidades tradicionais (Procuradoria Geral da República e Tribunal de Contas) das novas que nasceram com a miscigenação entre o direito administrativo francês e o direito administrativo anglo- saxónico, porque estas realidades foram quase todas imputadas do direito anglo-saxónico e foram colocadas na nossa realidade portuguesa.


As Novas Entidades

    Há também as entidades chamadas Entidades Reguladoras Independentes, que advém das diferentes atividades económicas e sociais: ANACOM e o Banco de Portugal (poder decisivo na gestão económica do país), por exemplo. Estas entidades reguladoras têm funções diferentes das tradicionais, vem de um sistema anglo-saxónico e isto explica que elas, nalguns casos, estejam limitadas no nosso sistema, mas que estejam quase à beira de uma separação de poderes, porque olhando para estas realidades na lógica anglo-saxónica, são realidades que exercem simultaneamente poderes legislativos (a regulação do exercício daquela atividade em termos administrativos é feita por estas entidades), poderes administrativos (porque gerem e administram aquele setor de atividade económica) e depois tem poderes judiciais (em que algumas situações julgam antes dos tribunais) mas a última palavra é dos tribunais, contudo caso os particulares se conformaram com a decisão daquela entidade pública, esta entidade pode mesmo decidir questões de natureza judicial.

    Isto é típico nos países anglo-saxónicos, onde a ideia da separação de poderes nunca existiu e nunca criou esta realidade continental. É certo que a integração destas realidades nascidas dos sistemas anglo- saxónicos no quadro dos sistemas continentais obrigou à sua transformação, na medida em que, quando se diz que são entidades reguladoras elas fazem regulamentos, não podem fazer leis. Contudo é certo que muitos dos regulamentos independentes feitos por estas entidades, se calhar, materialmente aproximam-se do poder legislativo, mas há um limite que não podem ultrapassar porque aqui estamos perante um poder regulamentar independente.

    O mesmo se pode dizer quando falamos no poder judicial. Em Portugal não podem julgar, não têm poderes de julgamento, mas têm poderes de sancionamento, multas de milhões de euros pagos porque violam as regras da concorrência, as regras de funcionamento do mercado – estas sanções já estão a paredes meias com o exercício da função judicial. Desta forma, para além da função administrativa, elas gerem e coordenam o modo de exercício daquele setor económico.

    A regulação destas entidades vai desde a simples atividade administrativa normal, o poder regulador (poder regulamentar autónomo) e atos sancionatórios. Portanto estas entidades têm uma capacidade de intervenção da vida económica, social e cultural, que é muito maior que as entidades normais e até mais que o próprio Governo. Logo, o legislador constituinte também deveria acrescentar na norma constitucional os poderes do Governo sobre a Administração, na medida que o Governo tem o poder de coordenar a Administração Independente.


Proposta final: breve fundamento e síntese do funcionamento de Entidades Administrativas Independentes

    Como já foi anteriormente explicado pelo meu colega e pelo grupo de consultores que defendeu esta posição, as Entidades Administrativas Independentes são entidades que têm como objetivo o exercício da função administrativa mas que se enquadram como uma administração “separada” ou como um quarto setor da Administração Pública.

    Estas, apesar de terem natureza pública e desenvolverem atividades públicas, predominantemente administrativas, não têm a sujeição a vínculos de subordinação política, de hierarquia, superintendência ou tutela relativamente ao do governo.

    Desta forma, as Entidades Administrativas Independentes, ao contrário de todas as outras entidades públicas que, de uma forma ou outra respondem perante o governo, é uma entidade verdadeira e efetivamente independente sem que tenha de prestar contas ao governo.

    Tal afigura-se como uma verdadeira exceção ao principio que define o Governo como órgão superior da AP portuguesa como um todo (art.182º). Se assim fosse o Governo teria o monopólio absoluto da função administrativa do Estado.

    No entanto, a CRP retira da esfera do Governo pequenos núcleos de funções administrativas que, pela especial sensibilidade das matérias em causa e, sobretudo, pela sua estreita ligação à tutela de direitos, liberdades e garantias, requerem um nível de independência política incompatível com um monopólio da função administrativa pelo governo, verdadeiramente importante no âmbito da proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. Tal deve-se ao facto do Estado pode ser - como já foi muitas vezes no passado - um verdadeiro agressor dos direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente do direito ao ambiente.

    É assim importante de referir que, apesar de independentes, estas entidades não têm discricionariedade absoluta: são controladas pela Assembleia da República e pelos tribunais.

    Por um lado, caso a AIA fosse delegada a uma EAI, a AR controlaria na mesma estas entidades fiscalizando a sua atividade e vigiando o seu cumprimento da constituição e das leis. Esta é, portanto, em tudo uma fiscalização de cariz político previsto no artigo 162/a) da CRP.

    Por outro lado, estaria também sujeita a um controlo jurisdicionais pelos tribunais. Efetivamente, os tribunais controlariam também a atuação desta EAI verificando se esta respeitava ou não vários princípios no art 266/2 da CRP.

    Sendo todos estes pontos importantes e estando estabelecido que as EIA são, de facto entidades independentes legalmente importa perceber que três coisas:


1- Como assegurar materialmente a independência?

    Sendo importante assegurar a independência formal destas entidades afigura-se igualmente importante assegurar a sua independência material.

    Basicamente: independência deste órgão tem de começar pela sua composição e pelo modo de designação dos seus titulares.

    Efetivamente, de nada valerá que o a entidade seja formalmente independente se os membros que a compõem não forem. Se por ventura estes tiverem uma qualquer ligação forte ao governo ou ao partido que o compõe, à sua máquina administrativa ou estiverem de alguma forma ligados ou a eventuais entidades que serão um alvo da Avaliação Impacto Ambiental toda esta independência formal será para nada.

    Assim, quanto mais diversificada for a origem dos membros que compõem um órgão, maiores as possibilidades de este agir efetivamente com independência. Importa assim:

- que não seja exclusivamente o governo a nomear estes membros o que se verifica com a necessidade de aprovação destes pela Assembleia da República - como se verifica pelo artigo 17º da Lei nº 67/2013;

- que esta entidade tenha uma composição relativamente plural, com membros de várias proveniências e pessoas da chamada sociedade civil. Só desta forma será possível assegurar a imparcialidade e autonomia da Entidade, visto que se trata sobretudo de “pessoas no pleno exercício dos seus direitos” e sem ligação prévia à Administração, às quais se exige reconhecido mérito e idoneidade ou determinada formação.

    Importante também é referir que no artigo 19º da presente lei existe um regime que visa impedir e prevenir potenciais conflitos de interesse e incompatibilidades dos membros.

    Neste caso para privilegiar uma verdadeira efetivação da tarefa de Avaliação de Impacto Ambiental seria importante a inclusão pessoas com conhecimentos em várias áreas relacionadas e úteis com a AIA: cobrindo desde pessoas formadas em Direito Administrativo, a pessoas reconhecida e publicamente competentes e especialistas em áreas de formação como biologia, geologia, engenharia do ambiente e saúde ambiental a pessoas de gestão e investigação policial: ou seja, pessoas verdadeiramente imparciais e qualificadas na área referida para desempenharem as suas funções do melhor modo e de se complementarem do melhor modo.


2 - Qual é/deve ser o estatuto destes titulares de forma a melhor garantir a sua independência?

    Deste modo, importa perceber e efetivar que estes titulares dos órgãos administrativos independentes sejam inamovíveis, embora tenham um mandato relativamente curto de quatro ou cinco anos, nalguns casos não renovável.

    É também comum a previsão de outras garantias de independência, como imunidades e regras de irresponsabilidade civil ou criminal pelas decisões proferidas (o que parece promover uma independência reforçada do agente decisor), não podendo, pelo exercício dessas funções, ser prejudicados nos seus lugares de origem ou nas suas carreiras profissionais. Tudo isto é importante para que estes não possam ser prejudicados ou intimidados e para que possam prosseguir sem interferências a sua tarefa de Avaliação de Impacto Ambiental sem medo de serem vitimas de chantagens ou intimidações por terceiros que tenham interesse em que este não cumpram a sua função do modo adequado.

    Em contrapartida, os titulares desses órgãos estão sujeitos a regras gerais e especiais em matéria de incompatibilidade e impedimentos e têm especiais deveres, em particular o dever de sigilo de forma a impedir possíveis fugas de informação.


3 - Como são controlados e quais as suas competências?

    Como já referido anteriormente estes órgãos independentes, não devem, no exercício das suas competências, obediência a ordens, instruções, diretivas ou orientações de qualquer outra instância de poder.

    Não obstante, isso não significa que não estejam legalmente associados a um outro órgão, junto do qual não estejam legalmente associados a um outro órgão, junto do qual funcionam para efeitos de apoio administrativo e financeiro que, nalguns casos, pode fiscalizar politicamente a respetiva atividade.

    A estas competências estas entidades têm também competências consultivas em sentido amplo, para dar pareceres (não vinculativos) sobre possíveis impactos ambientais de determinado assunto e como melhorá-los de forma a reduzir os referidos impactos, para se pronunciarem por iniciativa própria, para emitir recomendações, para realizar estudos de impacto ambientais, assim como importantes competências de fiscalização, acompanhando o exercício de atividades públicas e privadas e zelando aí pelo respeito da lei e dos direitos dos cidadãos.

    Estes órgãos independentes podem ainda determinar a realização de auditorias, de ações inspetivas, a abertura e instrução de processos de contraordenação.

    No exercício destas competências de controlo, os órgãos têm direito à colaboração dos demais órgãos e serviços administrativos, podendo requerer e obter o acesso a documentos e à informação necessária para o exercício das suas competências.


    Concluímos assim que a hipótese de criação de uma entidade administrativa independente, parte integrante do designado 4º Setor da Administração Pública ou do Setor Independente se mostra como a única opção viável para a realização da atividade de Avaliação de impacto Ambiental (AIA). Uma entidade independente como a definimos seria a única opção que garantiria, por um lado, a autonomia e independência necessárias a esta atividade (e aliás impostas pela legislação tanto interna como europeia) dada a ausência de vínculos de subordinação desta entidade face ao Governo (existindo uma “mera” tutela de legalidade deste face àquela) e, por outro lado, a única que garantiria imparcialidade na realização desta tarefa pois que se trataria de uma entidade pública que apenas teria em vista a prossecução de interesses coletivos e pela foma como os titulares desta entidade são designados e pelas garantias de independência, irresponsabilidade e inamovibilidade a estes associadas. Por fim, esta mostra-se ainda uma opção garantidora de transparência na AIA pela existência de deveres de informação desta entidade face à Assembleia da República.

    Por tudo isto, a decisão do Governo é a criação de uma entidade administrativa independente competente pela Avaliação de Impacto Ambiental, nos termos que acima referidos.




FIM



Bibliografia
. AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo. 4ª edição. Vol. I. Coimbra, Almedina, 2015
. GONÇALVES, Pedro Costa. Manual de Direito Administrativo. Vol. I. Coimbra: Almedina, 2020
. DA SILVA, Vasco Pereira, Em busca do ato administrativo perdido, Almedina, 2011.
. Aulas teóricas Professor Vasco Pereira da Silva.



Turma B/Subturma 14
16.12.2023
Manuel Siqueira
Ricardo Gordilho
Tomás Castello Branco

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